Representatividade é para já

Como publicitária, me sinto particularmente afrontada com a lógica de comerciais e mensagens que não representam a população com a qual querem se comunicar

Por Luana Génot, do O Globo

Luana Génot. (Foto: Alex Cassiano/Divulgação)

Coisa mais fofa é o vídeo da pequena Maria, de 2 anos, vendo a jornalista Maria Júlia Coutinho na TV e falando: “Olha o meu cabelo aqui!”. Neurocientistas afirmam que, na primeira infância, ainda não temos o nosso cérebro completamente formado. Mas Maria já consegue se identificar e reconhecer que algo acontece quando vemos pessoas que se assemelham a nós. Lembro que, quando pequena, meu sonho era ser paquita. Mas só havia louras, e aquilo era um tapa na cara da minha autoestima.

Representatividade importa e muito para Maria e para todas nós. Nos dá a possibilidade de nos projetarmos em múltiplos espaços. Vale sempre lembrar que, em um país 55% negro, representatividade no mínimo proporcional não deveria nem ser uma questão. Celebramos Maju com orgulho, mas não era mais para contarmos o número de jornalistas negras com os dedos das mãos. Na publicidade, o mesmo se repete. Apenas 7% das campanhas são protagonizadas por mulheres negras, segundo pesquisa da Heads.

Trata-se de um tópico global. No México, mais de 80% da população tem a pele não branca como aponta o Instituto Nacional de Estatística e Geografia (Inegi). No entanto, ver a atriz de origem indígena Yalitza Aparicio representando a Cleo como protagonista do filme “Roma” causou espanto. Caminhando pelas ruas dos bairros de Roma ou Condessa, quando estava na terra de Frida Kahlo, mulher bissexual com deficiência, mestiça, de mãe de origem indígena, sinceramente, mal pude ver propagandas com indígenas como protagonistas.

Como publicitária, me sinto particularmente afrontada com a lógica de comerciais e mensagens que não representam a população com a qual querem se comunicar. Acredito que, literalmente, o buraco é mais embaixo e precisamos questionar quem pensa e mantém esse padrão. Quando vemos Zozibini Tunzi, mulher negra sul-africana, vencer o concurso de Miss Universo, ganhamos mais um sopro de esperança. Mas também não podemos ser ingênuas.

A escolha de quem deve ser escalado para estar à frente de um programa de TV ou de uma campanha publicitária vai além da beleza ou da competência. É também uma escolha de quem deve ser representado ou não, e essa opção ainda é majoritariamente feita por pessoas brancas, que não querem abrir mão de seus privilégios.

O que muda na era digital é que exercer o papel de aliado agora está na ponta dos dedos. Há possibilidade de a sociedade como um todo, não apenas os negros ou indígenas, cobrar por espaços mais justos de representação. E isso já está acontecendo. Hoje, quando empresas divulgam os eleitos de seus processos seletivos e há apenas brancos causa-se um estranhamento. Pelo amor, pelo diálogo ou pela dor da exposição negativa, cabe aos subrepresentados e ainda mais aos aliados cobrarem daqueles que têm o privilégio da construção de narrativas o entendimento de que representatividade não é favor. E é para já.

+ sobre o tema

Eleições 2022: Mães negras buscam mais espaço na política

"Sou mãe solo, meu filho tem que estudar e...

2013 já deu as caras: há desejos e sonhos pessoais e políticos

DE CERTEZA TEREI MAIS TEMPO PARA FICAR DE OLHO...

Julho das Pretas 2022. Qual projeto de nação das mulheres negras?

Estamos em julho, conhecido pela militância política como Julho...

Givânia Maria da Silva

Quilombola de Conceição das Crioulas, em Salgueiro, Givânia é...

para lembrar

Medalhista, Jucielen Romeu, do boxe é proibida de falar sobre racismo e empoderamento

Medalhista de prata nos Jogos Pan-Americanos, Jucielen Romeu foi...

Sua opinião vs. preconceitos: Por Stephanie Ribeiro

“Mãe prefiro sorvete de nozes, a sorvete de amora.” Por Stephanie...

Lea T.: “Faço questão de falar que sou mulher trans, latina e negra”

Top model, que desfila pela Água de Coco, debateu...

Quando criança, eu sonhava em ser Globeleza

“Em algum momento da adolescência, me perguntei porque queria...
spot_imgspot_img

Comida mofada e banana de presente: diretora de escola denuncia caso de racismo após colegas pedirem saída dela sem justificativa em MG

Gladys Roberta Silva Evangelista alega ter sido vítima de racismo na escola municipal onde atua como diretora, em Uberaba. Segundo a servidora, ela está...

Uma mulher negra pode desistir?

Quando recebi o convite para escrever esta coluna em alusão ao Dia Internacional da Mulher, me veio à mente a série de reportagens "Eu Desisto",...

Da’Vine Joy Randolph vence o Oscar de Melhor atriz coadjuvante

Uma das favoritas da noite do 96º Oscar, Da'Vine Joy Randolph se sagrou a Melhor atriz coadjuvante da principal premiação norte-americana do cinema. Destaque...
-+=