Responsabilidade afetiva x Amor preto: as exclusões que se repetem

Tenho pra mim que, responsabilidade afetiva é discutir os ideais perigosos e excludentes de amor romântico que circulam em nossos meios, impregnando o já torturado imaginário de meninas negras, com esperanças cruéis de relações impossíveis de acontecer em um mercado afetivo racista, sexista e elitista como o nosso.

Por Joice Berth, no Medium

imagem extraída da internet

Discutir colorismo dentro das relações amorosas, também faz parte do roll de responsabilidades afetivas, pois ninguém quer falar por exemplo que “ AFROCENTRAR” é e tem sido majoritariamente para mulheres negras de pele clara, com características negras ~suavizadas~ pela miscigenação como lábios mais finos e cabelos cacheados, ou seja, mulheres negras estilo Beyoncé,Taís Araújo, Sheron Menezes…

Para além da sexualização que essas negras recebem pelo estereótipo da “mulata exportação”, elas são a preferência absoluta quando homens negros resolvem agradar a militância e/ou fazer o radical para a branquitude exquerdista.

E não só porque tem a pele clara mas também porque são mais jovens(que eles inclusive), magras e reforçam o padrão angelical de feminilidade frágil e insegura…que precisa do macho alfa para protegê-las e ensiná-las o que é a vida…

Precisamos falar em etarismo no amor preto…

A discussão sobre responsabilidade afetiva tem que passar pela discussão sobre os padrões aprisionadores da estética imposta pelo sistema patriarcal: magra, alta e com sinais claros de uma pulsante e vulnerável juventude.

Eles se repetem nas relações afrocentradas né?!

Ou eu tô louca e tô brincando com o bumbum?!

Não tô não já que mulheres negras de pele escura não são malandras…nem na ficção…reparem…

Porque apedrejar quem escolhe não aderir a mais esse teatro afetivo centrado na escolha de parceiros exclusivamente negros, tá muito longe da realidade que milhares de meninas negras de pele escura e características africanas bem demarcadas. Elas também serão excluídas das escolhas afrocentradas…

O colorismo, o amor preto, a responsabilidade afetiva também deveria discutir a omissão de mulheres negras de pele clara frente as escolhas que as envolvem.

Assim como as mulheres brancas não querem questionar o racismo e sexismo de seus companheiros que delimitam a escolha deles por elas, as mulheres negras de pele clara també se recusam a romper o silêncio sobre os favorecimentos que sua aparência proporciona no amor afrocentrado.

Parafraseando bell hooks, esses pontos cegos precisam ser colocados a frente das selfies de casais felizes, afrocentrados ou não.

Não se trata de questionar a negritude de mulheres claras mas sim, de pensar se esse homem negro está mesmo comprometido com os ideiais anti-racistas ou esté apenas disfarçando para si a internalização do racismo que ele não consegue limpar da sua mente e que faz com que ele, mesmo consciente disso busque aquilo que se aproxima do que ele assimilou como melhor ou mais bonito.

Ou então vamos ser honestos e parar de falar sobre amor e passar a falar em contrato socioafetivo.

O modelo de amor eurocêntrico, que é altamente excludente e totalmente pautado pelas necessidades políticas, econômicas e sociais, vêm se repetindo entre a negritude e sendo vendido como amor preto, amor afrocentrado e inclusive servindo de argumento para apedrejamento de mulheres negras que fogem disso(curioso como o sexismo aqui é visível, porque homem negro não apedreja o coleguinha que escolhe passaportes brancos de aceitação através de relacionamentos inter-raciais…).

Mas o que vejo é uma reprodução muito cruel das articulações afetivas brancas e excludentes e pior, com aderência acrítica do público feminista que deveria ser o primeiro a desconfiar desse jogo.

São tantos problemas…todos tão naturalizados e tão cruelmente vendidos como possíveis que eu acho que ao invés de falar em responsabilidade afetiva, deveríamos falar sobre realidade afetiva, porque esta. obviamente não está sendo considerada no teatro do amor preto.

Ainda somos os mesmo e amamos como nossos pais.

E exatamente por isso, antes de pensar em afrocentrismos, casal preto, responsabilidade afetiva e afins, precisamos nos conscientizar de que devemos discutir o amor romântico e a imposição da figura masculina na vida de mulheres. Por que eles não foram criados com bons propósitos, ao contrário, foram criados para serem excludentes, elitistas e sexistas e estão cumprindo muito bem esse papel.

Qualquer outra discussão que não passe por esse caminho é mais do mesmo, não rompe com nada e ainda reforça os padrões racistas e preconceituosos de escolha afetiva, que excluem mulheres negras de pele escura, gordas, maduras, mães, independentes, inteligentes, seguras, etc.

E para mulheres em geral, mas principalmente para mulheres negras de pele escura, eu afirmo que a afetividade não pode e não deve estar restrita aos padrões que nos ensinaram e que são reproduzidos com naturalidade assustadora. As possibilidades de se estabelecer relações reais e proveitosas estão seriamente comprometida enquanto não questionarmos os entraves das opressões em nossas vidas. Não devemos comprar a ideia de fracasso por não ter um par, seja negro ou branco, pois estamos sendo excluídas pelo jogo perverso do racismo. Precisamos sim, aprender que auto-amor é fundamento básico de saúde emocional e cultivá-lo da maneira mais criativa e constante que conseguirmos. Uma relação saudável com você mesma e limpa das ilusões do ideal de amor romântico é o único caminho que podemos trilhar.

E se houver a chance de uma experiência afetiva com um par amoroso, ok. Senão, existem outras fontes de satisfação e alegria que nos foram negadas por que precisavam da nossa atenção voltada para as armadilhas patriarcais e estratégias de domínio sexista disfarçadas de amor. O amor real não é e nunca vai ser parecido com o que nos vendem e se ficamos sozinhas não é por fracasso, é por não nos encaixarmos na doença social cultivada e naturalizada. Adoecer por ser excluída de um mundo tão problemático e desumano não vale a pena e por isso devemos discutir exaustivamente as promessas de felicidade que vem por esses caminhos. Em outras palavras, devemos discutir o amor romântico até entender que ele é ilusório e para mulheres negras, entender que o amor afrocentrado, embora seja válido como estratégia política contra o racismo, ele tem sido um desdobramento cruel do amor romântico pautado pelos padrões eurocêntricos.

Estejamos atentas também ao casais que vendem felicidade e deixam no ar que está ao alcance de qualquer um o relacionamento amoroso perfeito. É a meritocracia aplicada no campo da afetividade. Em geral, muitos desses casais estão tentando convencer a si mesmos de que estão no caminho certo, mas questiono se dá pra estar no caminho certo pautado por um mundo equivocado?

Tirem vocês as conclusões.

to be continued…

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