S O S MUSEU CAPIXABA DO NEGRO

Por: Josy Karla Damaceno

 

8ª SEMANA NACIONAL DOS MUSEUS: S.O.S MUSEU CAPIXABA DO NEGRO

Na última quinta-feira, dia 13 de maio de 2010, a Prefeitura Municipal de Vitória assinou a ordem de serviço autorizando o início das obras de restauro do prédio do Museu Capixaba do Negro. Mas infelizmente, por detrás do ato aparentemente magnífico para a população afrodescendente do Estado do Espírito Santo, se esconde mais um golpe contra nós, negros e afrodescendentes. Uma história de existência e resistência de 17 anos que está sendo simplesmente apagada pelo poder público, em prol de interesses políticos e disfarçada de política pública para a promoção da igualdade racial.

O texto que se seguem tem como objetivo tornar pública a história de 17 anos de existência e resistência da instituição, cercada de lutas e superação, além de alertar a sociedade para os possíveis rumos que esta saga pode tomar nos próximos dias.

 

1. O MUSEU CAPIXABA DO NEGRO E A NOVA MUSEOLOGIA

O Museu Capixaba o Negro tem como missão desenvolver a consciência negra e o conhecimento de nossas africanidades interiores através da arte africana e afrodescendente em todas as suas manifestações, tornando acessível através da educação, da preservação e da pesquisa o patrimônio material e imaterial da cultura afro-brasileira à população afrodescendente, por meio da interatividade e do fazer museal interligado à comunidade. Mas antes de conhecermos a história do MUCANE, se faz necessário compreendermos o que o diferencia dos outros museus. Esta diferença vai além de sua temática, a cultura afro, pouco presente nos museus tradicionais. E é preciso ainda rever nossos conceitos sobre os museus nacionais e as mudanças significativas ocorridas nas últimas décadas, culminando com a nova Política Nacional de Museus, criada no ano de 2003.

Embora as primeiras experiências de caráter museológico no Brasil tenham acontecido no século XVII, foi somente em 1818 que surgia o primeiro museu oficial, o Museu Real. Outras importantes instituições surgiram nos anos seguintes, todas de caráter tradicional, até a década de 1930, quando aconteceram mudanças significativas no campo museal brasileiro. Entre estas mudanças, estão a criação do Curso de Museus, em 1932, que institucionalizaria a museologia no Brasil e a criação, em 1934, da Inspetoria de Monumentos Nacionais, criando os pilares para o serviço do patrimônio histórico e artístico nacional, SPAN. É importante destacar que Mário de Andrade, ao elaborar o anteprojeto do SPAN, já vislumbrava o papel educacional dos museus. Após a 2ª Guerra Mundial, em 1946, foi criado o Conselho Internacional dos Museus (ICOM), e o Brasil, por estar presente na fundação do órgão, criou no mesmo ano uma representação nacional do Conselho. Assim, a museologia brasileira ganhava impulso, facilitando o intercâmbio internacional e mantendo-se à frente nos movimentos museológicos mundiais.

Mas as mudanças culturais e políticas da década de 1960 impulsionaram as mudanças no campo museal, com a Mesa Redonda de Santiago do Chile – 1972, que propunha o museu como instrumento educacional e político a serviço da sociedade e a Declaração de Quebec, consolidando os pilares do Movimento Internacional da Nova Museologia (MINOM). Os Museus passaram a ser lugares de movimento, educação, interação sociocultural, consciência política e cidadania. Após este período histórico foi criado o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, IPHAN. Mas o auge de todas estas mudanças aconteceu em 2003, com o lançamento da nova Política Nacional de Museus, apontando novos caminhos e as diretrizes para a implantação da Nova Museologia no Brasil. Neste contexto, surge o Museu capixaba do Negro.


3. MUSEU CAPIXABA DO NEGRO: EXISTÊNCIA E RESISTÊNCIA

A História do Museu Capixaba do Negro tem início em 1988, quando as discussões em torno do centenário da abolição ocorridas na Universidade Federal do Espírito Santo (UFES) fomentaram a ideia de se criar um museu sobre o negro capixaba. Por ironia do destino ou não, o Museu foi criado em 13 de maio de 1993, pelo então Governador do Estado Albuíno Azeredo, primeiro governador negro do Brasil, por meio do Decreto Lei nº 3.527, publicado na mesma data. Entre outras medidas, o Decreto determinava que no prazo de 31 dias tivessem início as contratações e licitações necessárias para o funcionamento da instituição.

Mas isto jamais aconteceu. Após seu primeiro ano de existência, nada tinha sido feito, e uma das idealizadoras e fundadoras do Museu, Doutora Maria Verônica da Paz, deu início à ocupação estratégica do prédio, a fim de não perder o espaço. A primeira ação foi a criação do Pré-vestibular para Negros, primeira ação do gênero no Estado. Verônica também organizou exposições e guiava as visitas de escolas ao Museu. Em 1994 surgia o Coral afro do Museu Capixaba do Negro, primeiro do Estado. Tais ações já demonstravam que o Museu do Negro cumpria os anseios da comunidade museológica mundial, pois a instituição estava a serviço da sociedade e seu desenvolvimento. Os cursos e visitas conduziam à reflexão sobre a história e a cultura do negro capixaba, e alimentavam a consciência política dos visitantes.

Em 1996, vítima de um aneurisma cerebral, Verônica da Paz faleceu, terminando assim, a primeira geração do MUCANE. Nos anos seguintes, o Museu continuou suas atividades, com exposições de artistas negros capixabas. Cursos continuavam a ser oferecidos, como a oficina de dança afro do Grupo Negraô. Ações culturais e reflexões políticas já faziam parte do fazer museal do MUCANE, como o evento Mafuá de Barganhas, organizado pelo artista negro Paulo Fernandes e a Vigília Cultural 301 anos de Zumbi dos Palmares.

Em 1999, teve início o projeto Oficinas de Música e Arte afro Brasileiras do Museu Capixaba do Negro, coordenado pelo maestro Washington Anjos dos Santos. As oficinas começaram com uma média de 70 alunos, mas o número foi crescendo nos anos seguintes. Em 2001, houve uma transição de gestão, e o Museu passou a ser dirigido por Washington Anjos. O grande número de frequentadores em um Museu onde a arte se libertava das paredes de concreto para ganhar o espaço e atuar além de suas portas chamou a atenção da população e da mídia, que produziu uma série de reportagens sobre as oficinas. O número de alunos saltou para 800 pessoas, com a média de 100 alunos por dia, de segunda a sábado. Os alunos das oficinas passaram a se apresentar em eventos públicos, e as comunidades do entorno pediam as atividades também em seus bairros. No lugar das exposições, o Museu se tornava itinerante. Professores voluntários atendiam os bairros da Grande Vitória e do Interior. O MUCANE voltava a ser discutido pelo Governo, através de uma Comissão de Cultura, pois agora a população inteira e a mídia cobravam uma ação em favor da instituição. Mas a Comissão Estadual de Cultura não sabia o que dizer. A concepção de museus ainda era ultrapassada e, inexplicavelmente, foi questionada a existência do Museu, pois a instituição não atendia aos padrões tradicionais. Mas a resistência continuava. Em 2005, as atividades do Museu foram tema do programa Ação, da Rede Globo. Agora a visibilidade do MUCANE era nacional.

Este museu em ebulição chamou a atenção também da comunidade acadêmica. Alunos da Universidade Vila Velha (UVV), Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), FAESA, Faculdade de Música do Estado do Espírito Santo (FAMES), entre outras instituições de ensino superior, passariam a ter como objeto de pesquisa o Museu do Negro e suas atividades. As oficinas do Museu também atendiam a professores e alunos dos cursos de pedagogia com palestras e cursos sobre a Lei 10.639/03.

A nova Política Nacional de Museus havia sido lançada em 2003. O Museu então estreitaria seus laços com o Ministério da Cultura, passando a integrar a rede de museus do já extinto Departamento de Museus e Centros Culturais (DEMU) do IPHAN. Uma das primeiras ações para cumprir com as determinações da nova política foi a formalização jurídica da Associação dos Amigos do Museu Capixaba do Negro (AAMUCANE) e a capacitação museológica dos profissionais voluntários que atuavam no Museu, através das oficinas promovidas pelo DEMU. A Associação agora era a responsável pela direção do Museu e de suas oficinas.

As oficinas formam, além de alunos e futuros professores e monitores, Grupos Culturais que se apresentam regularmente em eventos do Museu e de outras instituições. Um desses eventos foi a 18ª Noite da Beleza Negra, realizada pelo Movimento Negro estadual em parceria com a Prefeitura Municipal de Vitória. Durante o evento, a cantora Alcione, atração nacional do ano, ao ser homenageada pelo prefeito da Capital, João Coser, questionou a situação do Museu. O Prefeito prontamente se comprometeu em tratar da questão. Em janeiro de 2007, após uma reunião promovida pela Associação dos Amigos do MUCANE, o prefeito recebeu a sociedade civil organizada. Na reunião ele foi eleito representante da Associação junto ao Governo Estadual e pediu que as atividades existentes no Museu fossem apresentadas em forma de projeto, para que fossem amparadas pela prefeitura. Designou que a Secretaria Municipal de Cidadania e Direitos Humanos (SEMCID) intermediasse as conversas entre a AAMUCANE e seu gabinete, pelo fato da secretaria possuir um departamento designado Gerência de Raça. Em julho do mesmo ano, o Governo Estadual aceitou transferir o prédio para o Governo Municipal. Mas infelizmente, embora a Associação tenha enviado o projeto das oficinas para a prefeitura imediatamente, o processo junto à SEMCID não andou.

Em maio de 2008, o prédio passou oficialmente para a Prefeitura Municipal de Vitória. Neste mesmo ano, o DEMU procurou a Associação a fim de conhecer a realidade do Museu. E reconheceu que as atividades da instituição estavam em total consonância com a nova museologia e a Política Nacional de Museus. Assim, o museu foi convidado a relatar sua experiência museológica no 3º Fórum Nacional de Museus. O Museu do Negro abriria o evento com o painel “Museus e o diálogo intercultural”. Ainda assim, as negociações com a Prefeitura não caminhavam, sendo constantemente interrompidas por mudança de secretários e interesses políticos de terceiros. O projeto de reforma apresentado pelos técnicos da prefeitura, embora elaborado para atender às atividades do MUCANE já existentes há 17 anos, era pouco acessível à comunidade do Museu.

Em 2009, a relação entre a Associação dos Amigos do Museu e a SEMCID se tornou ainda mais instável, sendo necessária a intervenção por parte do Gabinete do Prefeito. E a situação perduraria até os dias atuais.


4. 13 DE MAIO DE 2010

Há 17 anos duas datas têm especial importância no calendário anual de atividades do Museu Capixaba do Negro: 13 de maio, aniversário de fundação da instituição e 20 de novembro, Dia Nacional da Consciência Negra. As datas são marcadas por atividades culturais que envolvem exposições, palestras de história e cultura afro, apresentações dos alunos do museu, entre outros. Embora as atividades sejam realizadas pela AAMUCANE e entidades parceiras, da sociedade civil organizada, como sem nenhum recurso, sempre buscamos o apoio do Poder Público. Em 2010 não foi diferente, mas havia uma novidade: a possibilidade da assinatura da ordem de serviço para a reforma do imóvel da instituição no dia 13 de maio.

Mas o que parecia um sonho tornou-se um pesadelo. Além de tomar para si o que é da sociedade civil, algo natural em algumas instâncias governamentais, a festa de 13 de maio foi sinônimo de tristeza e insegurança para a comunidade do Museu. Ainda que para a sociedade a reforma do Museu seja um exemplo de competência e boa vontade da Prefeitura Municipal de Vitória, o mesmo não se deu por traz dos bastidores. A Associação dos Amigos do Museu ouviu com pesar, em 13 de maio de 2010, a notícia dada pelos secretários municipais de Cultura e Cidadania de que nenhuma das atividades museais da instituição estão garantidas ou contempladas no projeto da Prefeitura. Este último ainda afirmou, diante de mais de cinquenta pessoas, que o Museu do Negro nunca existiu e agora ele iria construir um Museu Capixaba do Negro. A ordem de serviço foi assinada e já recebemos a visita da empresa SAMOM, responsável pela obra, avisando que entrarão no prédio para início dos trabalhos nos próximos dias, quando as atividades da instituição seriam interrompidas para a execução da mesma.

 

5. O QUE DIZ A LEI

O total desconhecimento das atividades museológicas do Museu Capixaba do Negro e da própria museologia demonstrada pela Prefeitura de Vitória, bem como a transmissão de informações equivocadas e sem base técnica, científica ou humanística veiculadas à população capixaba, tornam necessário o esclarecimento sobre a importância das atividades da instituição para a museologia nacional, bem como as leis que envolvem a legitimidade de tais atividades para o plano museológico do MUCANE. Tais leis tomam como base a Política Nacional de Museus e o Estatuto dos Museus.

A Política Nacional de Museus, já na introdução de seu documento base, deixa clara a nova concepção de museus nacionais. Os museus, enquanto processos estão em constante movimento e a serviço da sociedade e seu desenvolvimento. A Política tem como objetivo geral a promoção da valorização, preservação e fruição do patrimônio cultural brasileiro, aqui entendido como um dispositivo de inclusão social e cidadania e é organizada em sete princípios orientadores organizados em sete eixos programáticos. Entre os princípios, encontramos a busca pela democratização das instituições (princípio 1), a compreensão do valor estratégico do patrimônio cultural sob a guarda dos museus nos processos de formação de identidade (2), o desenvolvimento de processos educacionais para o respeito à diferença e à diversidade étnica nacional(3), o reconhecimento e a garantia dos direitos das comunidades organizadas de participar dos procedimentos técnicos e científicos do patrimônio a ser preservado (4) e o respeito ao patrimônio cultural das comunidades afrodescendentes de acordo com suas especificidades e diversidades (7).

Ao analisarmos estes princípios, fica clara a sintonia entre as atividades do Museu do Negro e a Política, ao passo que, a atuação do Poder Público, justificada como uma ação em prol do Museu – ou novo Museu, como tem se dito – torna-se obscura e duvidosa. O Museu Capixaba do Negro é um espaço democrático por excelência, uma vez que a comunidade beneficiada pelas atividades do Museu é a mesma responsável pelo funcionamento do mesmo. Atitudes arbitrárias do poder público, fazendo uma propaganda bonita de seus atos e repreendendo a sociedade civil por detrás dos panos, nos remete à ditadura militar. Também o poder público estadual não compreende o processo museal afrodescendente que acontece no MUCANE, pois, apesar de sua pseudopolítica para a promoção da igualdade racial formulada por técnicos baseados em frios números de pesquisa, ainda desconhece a identidade da população negra do estado, desconsiderando inclusive o expressivo número de aproximadamente 2.000 alunos das oficinas do MUCANE somente nos últimos anos.

Uma associação de amigos de um museu é uma organização juridicamente constituída que tem como objetivo zelar pela garantia do respeito ao fazer museal de uma instituição museológica, além de ser a única organização civil capacitada a captar recursos e formar parcerias para o desenvolvimento da instituição a que pertence, sendo assim o instrumento mediador natural entre a instituição e o Instituto Brasileiro de Museus. A Associação dos Amigos do Museu Capixaba do Negro é formada pelos profissionais voluntários das oficinas do MUCANE, os alunos e frequentadores do Museu, além de pessoas representantes dos mais variados setores da sociedade. No entanto, o poder público capixaba vêm tratando a Associação com desprezo e desrespeito, fato presenciado por incontáveis testemunhas.

No tocante ao desrespeito às africanidades que direcionam o processo museal do MUCANE, parece-nos que o Estado Brasileiro e Capixaba insiste em nos pregar uma peça macabra, escolhendo e elegendo sempre o dia 13 de maio como “Dia Nacional da de Contar Mentiras Sobre o Povo Negro”. A história de existência e resistência da população afrodescendente é como sempre, encoberta pela mitologia da bondade branca, enquanto os verdadeiros heróis são condenados ao esquecimento.

Além das práticas colaborativas para com a Política Nacional de Museus, já adotadas pelo MUCANE, a participação em cursos de museologia, a integração ao IBRAM, pelo Cadastro Nacional de Museus e a regulamentação jurídica da AAMUCANE, são apenas algumas das iniciativas já adotadas logo no lançamento da Política.

A fim de regulamentar e assegurar a realização da Política para os Museus, foi criado, em 2009, o Estatuto dos Museus. Fica claro, ao ler o documento, que a atitude do Poder Público do Estado do Espírito Santo fere o Estatuto em seus artigos 1º, 2º, 4º, 9º, 14º, 15º, 17º, 18º, 19º, 28º, 43º, 47º e 62º, uma vez que vai contra o funcionamento do Museu em suas múltiplas funções e suas especificidades:

Art. 1º – Quando desconsidera a existência do Museu e seus 17 anos de história e memória, propondo verdadeiramente a construção de um novo Museu Municipal, e não a reforma do imóvel do Museu Capixaba do Negro;
Art. 2º – Quando fere os princípios fundamentais dos museus de: I – valorização da dignidade humana; II – promoção da cidadania; III – cumprimento da função social; IV – valorização e preservação do patrimônio cultural e ambiental e por último, V – a universalidade do acesso, o respeito e a valorização à diversidade cultural;
Art. 4º – Ao se negar a fomentar as atividades do MUCANE, ameaçando inclusive a sua paralização, ao sugerir aos profissionais do Museu a desocupação do prédio;
Art. 9º – Ao desrespeitar a AAMUCANE, a comunidade do Museu e o corpo de profissionais da Instituição. As atividades do Museu são desenvolvidas por uma equipe de profissionais de artes (tendo sua concentração na área das ciências musicais), pedagogia, ciências humanas, ciências sociais, dentre outros, nos mais diversos níveis acadêmicos, todos voluntários;
Art. 14º – Além de não possuir um plano para garantir o funcionamento do Museu ao longo de seus 17 anos, a atual proposta da Prefeitura não permite o cumprimento das finalidades da instituição;
Art. 15º – A intervenção a fim de atrapalhar a firmação de convênios para a realização das atividades com instituições sensíveis ao Museu e dispostas a ajudar, vetando as propostas apresentadas a tais instituições;
Art. 17º – A desqualificação cultural e museológica dos secretários e funcionários da Prefeitura;
Art. 18º – O desrespeito ao Regimento Interno do MUCANE;
Art. 19º – O abandono do prédio pelo poder público estadual;
Art. 28º – O desrespeito às atividades de estudos e pesquisas desenvolvidas no Museu;
Art. 43º – O desrespeito aos bens culturais do MUCANE, bem como a propaganda enganosa de que não existe ainda um Museu Capixaba do Negro e o mesmo só será construído agora;
Art. 47º – O desrespeito e proposital desconhecimento do Plano Museológico do Museu Capixaba do Negro já existente e em funcionamento;
Art. 62º – O ato de dificultar o convênio entre as atividades do Museu e o setor público e privado a fim de dificultar o desenvolvimento de suas atividades Museológicas.

6. O QUE ESPERAR DO FUTURO

Diante de tal realidade, fica claro que o futuro do Museu Capixaba do Negro é incerto. Tal situação envolve história e memória. E a história da reforma do Museu Capixaba do Negro infelizmente nos força, negros e afrodescendentes, a lembrarmos de alguns episódios semelhantes de nossa própria história:

• Quando Ganga Zumba recebeu uma proposta de acordo de paz com os brancos, que prometeram que se ele deixasse o Quilombo dos Palmares seu povo receberia terras, anistia e cidadania. Ganga Zumba e todos os que o acompanharam terminaram mortos.
• No Espírito Santo, os negros escravizados receberam uma proposta, na localidade conhecida como Queimado, no atual Município de Serra, de que se construíssem a Igreja Matriz, ao final da obra seriam alforriados. Os negros trabalharam nas fazendas durante o dia, e à noite, bem como aos domingos e feriados, construíram a Igreja. Quando foram receber o tão sonhado prêmio, descobriram que haviam sido enganados. Revoltaram-se, e todos os líderes negros foram executados.
• Em 13 de maio de 1888 a Princesa Isabel assinou a Lei Áurea. Embora a abolição tenha soado como inclusão, no dia 14 de maio os negros estavam em uma situação que era quase pior que a escravidão, caso houvesse a possibilidade de existir algo pior que a escravidão negra no Brasil.
• Em São Mateus, Norte do Espírito Santo o Porto de São Mateus foi um dos únicos portos do país a receber negros diretamente da África. Por lá, desembarcou a Princesa Zacimba Gaba, e o local foi palco das lutas e da resistência histórica do povo negro. Recentemente, o porto foi reformado, e os negros que lá habitavam, tiveram que deixar o local.
• O que aconteceu na reforma do centro histórico do Pelourinho, Bahia, foi um misto da história de Ganga Zumba e do Porto de são Mateus. Os negros receberam uma proposta de desocupação e foram enviados a um local distante, deserto, sem infraestrutura. Os que escolheram resistir, tiveram o fornecimento de água e luz suspensos, além das ameaças de serem presos ou terem suas casas colocadas a baixo, como aconteceu em algumas residências que ainda guardam as rachaduras provocadas pelas máquinas usadas no confronto.
Mas, diante do acima exposto, fica a pergunta: o que acontecerá com a população negra do MUCANE? Os últimos acontecimentos nos dão conta de que o projeto da prefeitura visa à repetição da história. Mas a história ainda não acabou e ainda pode ser mudada.

Assim, estamos convocando todos os brasileiros e brasileiras, negros e negras, afrodescendentes ou não, pertencentes a todas as entidades e organizações da sociedade civil organizada, ao Movimento Negro Nacional, aos quilombos contemporâneos e históricos, pertencentes a todas as religiões, a imprensa, as associações culturais, enfim, toda a sociedade para fazer valer o nosso direito à cidadania e escrevermos juntos a nossa história com o final que nos é de direito e nos tem sido tomado, ao longo de nossos 510 anos de lutas e glórias.
Axé!

Josy Karla Damaceno
Associação dos Amigos do Museu Capixaba do Negro

 

Coordenadora e professora das Oficinas de Música do Museu Capixaba do Negro nos últimos 10 anos. Pesquisadora da área de Etnomusicologia, militante do Movimento Negro Estadual, membro do Conselho Municipal do Negro (CONEGRO) e secretária executiva da Associação dos Amigos do Museu Capixaba do Negro (AAMUCANE).

 

 

Fonte: Museu Capixaba

 

 

 

 

 

 

 

 

7. BIBLIOGRAFIA
BRASIL. Lei nº 11.904, de 14 de janeiro de 2009. Institui o Estatuto de Museus e dá outras providências. Diário Oficial da República Federativa do Brasil. Brasília, 14 de janeiro de 2009. Disponível em < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2009/Lei/L11904.htm>. Acesso em: 28 de março de 2010.
NASCIMENTO JÚNIOR, José do; CHAGAS, Mário de Souza (Org). Política Nacional de Museus. Brasília: Ministério da Cultura, 2007.
COMITÊ BRASILEIRO DO ICOM. A memória do Pensamento Museológico Contemporâneo: documentos e depoimentos. 1995. (Mimeografado).
THEODORO, Mário (Org.); JACCOUD, Luciana; OSÓRIO, Rafael Guerreiro; SOARES, Sergei. As políticas públicas e a desigualdade racial no Brasil: 120 anos após a abolição. Brasília: Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, 2008.
ALBUQUERQUE, Wlamyra R. de; FRAGA FILHO, Walter. Uma história do negro no Brasil. Salvador: Centro de Estudos Afro-Orientais; Brasília: fundação Cultural Palmares, 2006.

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