Saberes ancestrais precisam estar nas estratégias climáticas

Povos tradicionais, indígenas, periféricos e quilombolas têm muito a contribuir

Como sabemos, ao longo dos anos o desenvolvimento predatório do capitalismo foi removendo comunidades e desmatando as florestas e outros biomas do Brasil. Mas as florestas e as cidades ainda abrigam uma diversidade imensa de povos tradicionais, indígenas, periféricos e quilombolas que desenvolveram conhecimentos que contribuem para a conservação dos biomas, produzem alimento e remédios e mantêm o clima equilibrado, garantindo a existência dos serviços ecossistêmicos dos territórios.

Presentes nos quintais, nas roças e em pequenos espaços urbanos que resistem ao concreto, estão os esforços empreendidos —sobretudo por mulheres negras de comunidades quilombolas, agricultoras, ribeirinhas e nas periferias das cidades— para manter a vida. Lideranças em diversos territórios, especialmente mulheres negras, vivem do artesanato, da agricultura familiar e da preservação do solo a partir de saberes historicamente usados para salvar vidas e adaptar formas de subsistência. Se hoje há floresta em pé, é porque comunidades desenvolveram tecnologias ancestrais e de sobrevivência.

Pensar em um meio ambiente saudável envolve, por exemplo, considerar como se colhe e se prepara a comida que vai à nossa mesa. As mulheres pantaneiras e chiquitanas entendem que o preparo da comida pode ser um ato de cuidar de seus territórios e do meio ambiente. Em encontros semanais, elas juntam retalhos para construir colchas e compartilham receitas com ingredientes locais que são passadas de geração em geração em suas famílias.

Já a Associação das Crioulas do Quilombo Branco de São Benedito desempenha um papel importante ao refletir e dialogar com os jovens da comunidade sobre o papel da colheita correta. Atua ainda na reciclagem sustentável, desenvolvendo, com esse trabalho, artesanato que gera renda para as famílias da comunidade.

Também a produção das roupas que vestimos pode ser feita em harmonia com o meio ambiente. A Casa Memória da Mulher Kalunga, que é um espaço de fortalecimento comunitário de mulheres quilombolas do território kalunga, em Goiás, desenvolve formas de confeccionar peças com a água do rio e de tingir o algodão com substratos de árvores e sementes.

Também nas cidades é possível utilizar conhecimentos ancestrais na preservação do ambiente. Um exemplo disso é a Cartilha de Metareciclagem produzida pelo Coletivo JACA, que considera a arte e o conhecimento científico como bens coletivos e dissemina conhecimentos ancestrais populares com o intuito de desenvolver as potencialidades da juventude negra periférica. Suas reflexões incluem temas como o descarte de resíduos eletrônicos e estratégias para combater o racismo ambiental quando faltam regulamentações ambientais.

Esse desenvolvimento tecnológico e essas ações políticas, porém, não são levadas em conta no desenho de políticas públicas. Sua ausência nas mesas de decisão é ainda mais gritante pelo fato de que, apesar de serem as comunidades tradicionais as que mais usam saberes históricos para manter a vida no seu território e no planeta, são justamente as mulheres negras, indígenas e periféricas —a base da pirâmide social — as mais impactadas pela crise climática.

Infelizmente, espaços como a Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas (COP28), que ocorrerá em Dubai, nos Emirados Árabes Unidos, na próxima semana, são liderados por pessoas brancas e não reconhecem a população afrodescendente e indígena como atores fundamentais na discussão de estratégias para que se garanta a segurança climática.

Em 2025, o Brasil receberá em Belém (PA), na Amazônia, a COP30. É fundamental que movimentos, organizações locais e comunidades quilombolas e indígenas sejam ouvidas na preparação da conferência.

A preservação de territórios, o respeito às tecnologias ancestrais e o desenvolvimento sustentável são cruciais para um país e um mundo mais equitativo e ambientalmente responsável. Em meio a desafios globais relacionados às mudanças climáticas e à preservação ambiental, as vozes e ações dessas comunidades tornam-se uma esperança e um exemplo a ser seguido.

Só teremos justiça climática com um debate sério sobre justiça racial e preservação da memória.

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