Pode começar de forma inocente: talvez seu cônjuge lhe peça para ver o recibo do supermercado ou diga que viu o extrato de sua conta bancária por acidente.
Por Brian Milligan, do BBC
Mas esse tipo de hábito pode resultar em condutas tão controladoras que geram temor e ansiedade cada vez que se abre a carteira.
O chamado abuso financeiro pode incluir muitas outras condutas opressivas: seu cônjuge gasta o dinheiro ganho pelo casal, pede empréstimos em seu nome ou deixa para você a responsabilidade do pagamento de serviços como eletricidade e telefone – ou ainda vigia cada centavo que você gasta.
Pior ainda, tudo isso pode levar a abusos mais graves: o abuso emocional e o abuso físico.
A grande maioria das vítimas são mulheres, mas os homens também são vulneráveis – especialmente os mais velhos ou os que têm deficiência.
Nos Estados Unidos, a Rede Nacional para Acabar com o Abuso Doméstico estima que a opressão financeira ocorra em 98% dos casos que há também violência física e verbal em brigas do casal.
Na América Latina há poucos dados estatísticos sobre o abuso financeiro porque as vítimas tendem a não fazer denúncias.
Também são poucas as leis ao redor do mundo que inibem a prática.
Alguns países, como a Grã-Bretanha, estão trabalhando em normas para tentar coibir esse tipo de conduta coercitiva, mas ninguém sabe ao certo se elas serão efetivas.
Enquanto isso, numerosas organizações internacionais tentam responder uma pergunta fundamental: como detectar o abuso financeiro precocemente, antes que se torne grave?
O caso de Jane
Em um mundo onde a instabilidade econômica parece ser a regra, a maioria das pessoas vivem se preocupando com seus orçamentos. Mas para a britânica Jane (nome fictício), de 35 anos, isso significou transformar-se em vítima de um controle financeiro obsessivo.
Ela afirmou que seu ex-marido e sua sogra abriam a geladeira para verificar se o leite havia sido comprado em uma rede de supermercados cara ou barata.
“Me aconteceu de estar em um mercado e ver que o sabão custava 70 centavos. Mas me lembrei que em outra loja custava um pouco menos, mas eu teria que caminhar vários quarteirões.”
“O lógico teria sido comprar onde eu estava, mas me aterrorizava a ideia de que meu marido e minha sogra poderiam me repreender… e por tão pouca coisa”, disse.
Todas as decisões financeiras – desde férias à compra de móveis – eram tomadas pelo marido dela.
“Ele escolheu o meu carro. Uma vez, quando estávamos dirigindo, meu marido gritou da janela (para outro motorista): ‘ela pôde escolher a cor’. Isso foi muito degradante”.
Quando seu ex-marido começou a sacar grandes quantias de dinheiro de sua conta conjunta para gastar em motocicletas, ela tentou recorrer ao banco.
Mas o ex-marido não só acabou com as economias deles como foi à falência. Jane herdou dívidas de mais de quatro mil libras.
Ela vive atualmente com sua filha de quatro anos na casa de seus pais. Devido às dívidas, não conseguirá uma hipoteca ou alugar um apartamento pelos próximos seis anos.
Sinais de alerta
Relatório recente das organizações não governamentais Women’s Aid e TUC, que defendem direitos das mulheres na Grã-Bretanha, descobriram que abuso financeiro era frequentemente o primeiro sinal de mais abusos domésticos.
As autoras do documento, Marilyn Howard e Amy Skipp, dizem que os sinais mais frequentes para procurar em um parceiro são:
- A pessoa toma decisões financeiras importantes sem te consultar
- Usa seu cartão sem pedir
- Controla seu acesso ao dinheiro por meio de um cartão de crédito ou uma conta bancária
- Pega seu salário, pensão ou aposentadoria
- Se recusa a colaborar com contas domésticas ou despesas das crianças
- Coloca contas em seu nome e não ajuda a pagá-las
- Faz empréstimos em seu nome e não ajuda a pagá-los
- Pega dinheiro de sua carteira ou conta bancária
- Impede você de trabalhar
- Usa você como empregado/a
Lei britânica
Na Grã-Bretanha uma lei pode entrar em vigor neste ano para tornar ilegal esse comportamento de controle entre casais.
Quem for declarado culpado poderá ter uma pena de até cinco anos de prisão. A polícia deve ser treinada para identificar situações abusivas.
Segundo Polly Neate, chefe da Women’s Aid, a lei vai encorajar vítimas a denunciar. “Sabemos de muitos casos de mulheres que não denunciaram abusos de controle – incluindo abuso financeiro – porque elas pensavam que a polícia não faria nada a menos que elas fossem agredidas fisicamente”, disse.
“Esperamos que a nova lei mude isso.”
A maioria dos bancos não interfere em disputas de casais sobre contas conjuntas.
Alguns agem apenas por ordem policial ou bloqueiam as contas quando notificados pela Justiça sobre uma disputa entre cônjuges.
Algumas instituições estudam medidas como aconselhar os casais a ter contas bancárias conjuntas para pagar contas e individuais para depósito de salários.
Outra opção seria exigir assinatura de ambos para retirada de dinheiro de contas de investimento.
A psicóloga Corinne Sweet, autora de um livro sobre o assunto, afirmou que os casais precisam aprender a falar abertamente sobre dinheiro. “Falar abertamente sobre dinheiro é ‘sensual’ porque aumenta a intimidade. Aumenta a confiança. Ajuda a cultivar um sentimento de proximidade.”