Samara Felippo: “Não sou negra, mas tenho filhas e luto por elas”

Samara Felippo, branca e de cabelos lisos, é mãe duas meninas com ascendência negra e com cabelos crespos. Os questionamentos das garotas fizeram a atriz se indagar e levantar o debate sobre representatividade negra, empoderamento infantil e feminismo surpreendendo seus mais de 520 mil seguidores no Instagram. E vem mais por aí! Samara vai lançar em breve um canal no Youtube para discutir esses temas acompanhada da filha Alícia, de 8 anos.

por Amanda Serra no Estilo UOL

“Realmente não sou negra, não tenho cachos, mas tenho filhas e luto por elas. E vou fazer isso até que elas possam assumir seus lugares de fala na sociedade. Podem criticar (o fato de eu ser branca), mas vou falar e massificar o quanto eu puder essa questão que se faz necessária. Enquanto puder falar por elas, falarei”, afirmou a atriz em entrevista ao UOL. No bate-papo, ela ainda falou sobre as mudanças pelas quais passou nos últimos anos, inclusive, sobre o momento em que percebeu um mundo de possibilidades ao deixar a Globo, onde atuou por 16 anos.

Alícia e Lara, 4, são frutos do relacionamento de Samara com o jogador de basquete Leandrinho (também conhecido como “The Brazilian Blur”), que joga pelo Phoenix Suns. O casal se separou em 2013. O jogador continua morando nos Estados Unidos, enquanto a atriz vive no Rio de Janeiro com as filhas.

Uma criança negra crescer com um monte de Barbie loira ao redor é doído

A mãe como modelo

Foi a partir dos dilemas levantados por Alícia – “Por que não existem meninas com o cabelo cacheado na minha escola? Eu não gosto do meu cabelo”, que Samara despertou e percebeu que precisava não só passar confiança para primogênita, como também aprender a cuidar dos cachos. Até então, um mundo estranho.

“Não tinha parado para pensar nos cachos, até que vi que existia xampu específico, cronograma capilar, óleos que podem e que não podem ser usados. Achava que entendia tudo, mas somos tão arraigados com racismo, machismo e todos esses preconceitos, que cometemos erros sem perceber. Como manter o cabelo amarrado para abaixar o volume ou pentear e fazer comentários do tipo ‘como dá trabalho’. A criança cresce pensando que o cabelo dela é um fardo”, relata ela.

Apesar do esforço de Samara, para encorajar e ser um exemplo para as filhas, a ausência de semelhanças físicas pesa no dia a dia.

“Elas não se veem representadas em lugar nenhum. E é muito óbvio, pois não existe representatividade negra na mídia, na moda, nos desenhos animados, nos brinquedos. Uma criança negra crescer com um monte de Barbie loira ao redor é doído. Na sala dela, só tem um menino negro, mas ela não se vê ali”, desabafa a atriz, que precisou procurar blogs, reportagens específicas e ativistas negras, como a Djamila Ribeiro e a blogger Raiza Nicácio, para entender questões como apropriação cultural e racismo.

“A Alícia ama quando se vê representada na MC Sofia, na Karol Conka, quando ouve ‘seja você sua heroína’. A identificação é imediata. Recentemente, comprei quatro bonecas negras para elas. Um desenho ter um personagem negro devia ser natural e não provocar comentários do tipo: ‘nossa, tem até um negro’”.

Os filmes de princesas, por exemplo, não são proibidos na casa de Samara, mas são vistos com atenção. “Você já vive em uma sociedade que diz que a mulher é ‘obrigada’ a arrumar um marido, casar e ter filhos. Você cresce assistindo isso e, quando chega na fase adulta, vê que não é assim. É complicado lidar com essa frustração. Não é só casar e ter filhos, você pode não fazer nada disso. E tudo bem! Quero que minhas filhas estejam à vontade com os seus valores e suas vontades”.

Quando eu parei de atuar na Globo virei outra pessoa. Foram 16 anos seguidos fazendo novela, uma atrás da outra, sem deslumbrar minha vida fora dali

Como surgiu o engajamento?

A atriz está aprendendo na marra, se questionando e também se divertindo em meio aos cachinhos de Alícia e Lara. “Junto com isso vem a identidade, a segurança. Esse processo tem sido enriquecedor. Mudou a minha postura como ser humano. Uma mãe branca com uma filha branca jamais vai parar para escutar a luta negra e mostrar para filha que um cabelo black, cheio, crespo, encaracolado não é estranho, é apenas diferente. As mães brancas com filhos brancos também precisam dar referência e mostrar que a sociedade [brasileira] é miscigenada”, alerta.

Aos 38 anos, o amadurecimento de Samara também está interligado com a transformação profissional pela qual a atriz que cresceu diante das câmeras passou.

“Quando eu parei de atuar na Globo, virei outra pessoa. Foram 16 anos seguidos fazendo novela, uma atrás da outra. Quando meu contrato acabou, meu mundo caiu, parecia que não tinha mais vida. O que me despertou foi descobrir que existia e existe um mundo cheio de possibilidades. Eu era imatura, insegura, não parecia, mas era, uma menina de 18 anos vinda da Zona do Norte do Rio de Janeiro”, reflete.

Prestes a lançar um blog (ainda sem nome e data definidos) sobre questões raciais e representatividade infantil, Samara adianta que pretende entrevistar personalidades negras acompanhada da filha mais velha, Alícia. A atriz Sheron Menezes, que está grávida e cuja mãe, Veralinda Menezes, já escreveu um livro infantil sobre uma princesa negra, deve ser uma das primeiras convidadas.

“Não tenho lugar de fala algum para falar sobre cabelos crespos ou sobre ser negra, exceto por ter filhas de um pai negro e saber que um dia elas podem sofrer racismo. Se um dia isso ocorrer, quero que elas estejam de cabeça erguida, empoderadas. Tenham poder sobre si e sua identidade. Não quero me sentir frustrada, sou uma mãe que quer dar autonomia e independência para elas”, finaliza a atriz que diz não temer críticas sobre seu posicionamento.

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