São mortes em vida. Não é Severina?

por: Arísia Barros

Em 2003, a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios – PNAD, realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística apontava o território-sede dos Quilombos dos Palmares/Alagoas como a unidade da Federação com maior índice de analfabetismo entre a população negra. Segundo dados da matéria, publicada em 14 de novembro, no jornal Gazeta de Alagoas, do jornalista Fernando Coelho: “Enquanto 23,2% dos brancos alagoanos são analfabetos, entre os negros o percentual é de 50%. Considerando a parcela incluída nos índices de analfabetismo funcional, os números aumentam ainda mais. Em todo o Estado, apenas 1,2% dos negros adultos tiveram 12 anos ou mais de vida escolar, tempo mínimo necessário para ingressar na universidade”.


Em 2010 a pesquisa do IBGE aponta para o crescimento de uma consciência étnica: negros se auto-declaram negros. Segundo a Síntese de Indicadores Sociais (SIS) 2010, atualmente o povo negro representa exatos 51,1% da população nacional, assim distribuídos 6,9% das pessoas se auto-declaram pretas e 44,2% de pardos, portanto somamos no aspecto quantitativo, entretanto, ainda representamos uma população abandonada e segregada em qualidade de vida.

Mesmo sendo o berço político de Zumbi dos Palmares, registrado honrosamente como herói nacional no livro de aço dos Heróis Nacionais, exposto no salão principal do Panteão da Pátria Tancredo Neves, em Brasília, o estado político das Alagoas seqüestra com uma miscigenada omissão pacifica o lugar da legitima participação e representação política e social dos descendentes de Palmares.

O estado alagoano adota, com a anuência de tantos e muitos partícipes, o discurso teórico e abstrato do atendimento aos mais pobres, estabelecendo o seqüestro das identidades étnicas, esquivando-se de perceber que a problemática do racismo vai bem mais além do que o conceito estigmatizante de pobreza.

Nas Alagoas de Jorge de Lima, de Palmares, o “pai” da escravizada e analfabeta Nega Fulô faltam letras inteiras no vocabulário de tantos meninos e meninas, quase todos pretos ou pardos, que sem a voz política do conhecimento são capturados pelo trabalho nas roças ou na venda dos corpos mirrados nas beiras das pistas locais: Tio, eu “faço” por um real!

São mortes em vida. Não é Severina?

O estado contemporâneo formado por uma casta de homens eurocentricamente versados na política universalista, adota sem mea-culpa a cartilha do apartheid consentido, e ao fazê-lo desestabiliza identidades e incita a população tutelada a perpetuação da segregação étnica e a aversão aos diferentes.

É o racismo institucional envolto com uma letal carga de burocracia e neutralidade estatal.

É a catástrofe da plataforma política exclusiva: “Se o povo não tem pão que coma brioches”, traduzindo Maria Antonieta, a rainha francesa. Os fatos gritam, os números da pesquisa do IBGE corroboram, só falta, agora, encontrar legítimos representantes do povo, alfabetizados na cartilha da gestão responsável atrelada a adoção de políticas públicas distributivas e emancipatórias que possam conter e paulatinamente erradicar essa persistente subcidadania das muitas gentes, da negra cor, viventes das Alagoas.

Será que Zumbi, ainda, mora aqui?

Fonte: Raises da África

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