‘Se benefício existe, temos que usar’, diz viúvo que ganhou direito a salário-maternidade

Catarinense que perdeu mulher horas após nascimento de seu filho teve que acionar Justiça pelo direito e desabafa

POR LEONARDO VIEIRA, do O Globo 
RIO — Marcos Antônio Denke era um jovem de 19 anos quando conheceu Adriana Matias, de 18, em uma festa do colégio, em Joinville (SC). Foram 15 anos de um relacionamento tranquilo e feliz, até que, em novembro do ano passado, ela morreu, horas depois de dar à luz a primeira filha do casal, em decorrência de complicações da cesariana.

A triste história foi parar na Justiça e, agora, pode acabar ajudando outros pais Brasil afora. Na semana passada, Denk foi um dos primeiros viúvos a ganhar o direito ao salário-maternidade, assim como aos 120 dias de licença.

Mesmo que ainda raros, casos em que o marido recebe o benefício da mulher morta são assegurados pela Lei 12.873, em vigor desde 2013. Mas o que aconteceu com o eletricista catarinense, hoje com 35 anos, é considerado excepcional por um detalhe: Adriana não contribuía para a Previdência Social desde 2011, o que não lhe daria direito à gratificação.

Essa foi a argumentação utilizada pelo INSS quando Denk entrou com o pedido do benefício, no começo de janeiro. Ao ter negada a solicitação, a empresa em que o catarinense trabalha, a Schulz, lhe concedeu apoio de advogado.

Menos de três semanas depois, na última quarta-feira, a 4ª Vara Federal de Joinville concedeu o salário-maternidade a Denk. Ontem, ele batizou a pequena Letícia Adriana Denk, com nome em homenagem à mãe, cuja foto estava estampada na camiseta do marido durante a celebração:

— Em dezembro de 2013, quando fizemos dez anos de casados, planejamos ter um filho. Em março do ano passado, ela descobriu que estava grávida. Sonhamos, fizemos planos… Adriana dizia que o Natal seria o mais feliz de nossas vidas. São coisas que acontecem conosco que não entendemos. Mas eu fui atrás do benefício, afinal, é um direito, não é? Se ele existe, temos que usar — comentou Denk, em entrevista ao GLOBO por telefone.

Namorados desde 1998, Denk e Adriana nunca se separaram. Letícia Adriana foi batizada na mesma igreja onde o eletricista tocava frequentemente, sempre com a presença da mulher, que ajudava como “secretária” da banda do marido, a Mustang 67. No perfil conjunto do casal no Facebook, Denk posta diariamente fotos de Letícia Adriana com mensagens como “Nossa filha acabou de tomar banho. Olhe, Adri, como ela é linda!”.

pai-mae

Desde que a mulher morreu, Denk colocou o berço da “princesinha” no quarto da avó paterna. O pai dorme em um colchão, estirado no chão.

— Meu casamento era perfeito, minha mulher era perfeita. Hoje sinto uma mistura de alegria com tristeza: alegria por minha filha e tristeza por minha esposa. Mas sem transmitir esta tristeza para a minha filha. Ela é a minha alegria agora, é a lembrança viva da Adriana — comenta.

GRATIFICAÇÃO É PARA RECÉM-NASCIDO

Sem trabalhar desde 2011, quando atuava na área administrativa de uma clínica de ortopedia, Adriana não teria direito ao salário-maternidade se estivesse viva, de acordo com a lei que rege os planos de benefícios da Previdência Social, de 1991. No entanto, a argumentação do advogado Hélio Gustavo Alves, que defendeu Denk, foi a de que a natureza da gratificação é voltada para o recém-nascido, e não para os pais. Este princípio já estava previsto na lei de 2013 que permite que pais recebam o auxílio em caso de falecimento da mãe.

— Por que o homem não tem direito se o objetivo é a adaptação, a criação da criança? A lei de 2013 está aí, mas corre o risco de perder a eficácia se a sociedade não buscar esse direito — comentou Alves.

A argumentação do advogado encontrou refúgio no entendimento da juíza federal Roberta Monza Chiari. De acordo com a magistrada, o destinatário final de tal proteção é a criança. Para derrubar a tese do INSS, Chiari argumentou que “situações excepcionais exigem interpretação excepcional”, lembrando que Denk contribui para a Previdência desde 2005: “Com efeito, é a criança quem precisa dos 120 dias para adequar-se à vida extrauterina e à rotina do novo lar. O salário-maternidade não é um benefício por incapacidade(…) Ele representa em verdade, para o bebê, a garantia de que terá à sua disposição alguém que lhe seja inteiramente dedicado durante período de tempo mínimo necessário para o seu pleno desenvolvimento nos primeiros meses de vida, sem que essa dedicação signifique qualquer diminuição do rendimento familiar, já por si mesmo abalado pela chegada de mais um membro”.

O advogado Alessandro Gomes, mestre em Direito Constitucional pela UFF, afirma que a vitória de Denk deve abrir precedentes para outros casos semelhantes que aguardam decisão da Justiça. E é otimista quanto ao futuro, já que, em sua opinião, a tendência é a norma se tornar cada vez mais presente:

— A mudança legislativa é relativamente recente. E no que diz respeito a benefícios sociais, não há tanta propaganda governamental quanto deveria. Mas a lei é clara, e não deve haver resistência do INSS em cumpri-la, salvo em casos excepcionais, como esse, não abarcados pela literalidade do texto legal.

 

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