‘Se não valorizam nossas vidas, que produzam sem nós’: O dia em que as mulheres prometem parar

Movimentos feministas do mundo decidiram, de forma unificada, mobilizar uma greve de mulheres.

Por Ana Paula Ferreira Do Huff post Brasil

É muito comum ouvirmos questionamentos sobre as razões da existência do feminismo hoje em dia. O senso comum aponta que as mulheres já alcançaram direitos iguais aos dos homens, como o direito ao voto, a frequentar escolas e universidades, e à possibilidade de separação conjugal. Menciona-se que, mais do que nunca, as mulheres estão no mercado de trabalho, e que os homens vêm ajudando mais em tarefas domésticas; argumenta-se ainda que, no Brasil, já tivemos uma mulher na Presidência da República, e que muitas outras já assumem cargos políticos importantes.

Mas, basta debruçar-se um pouco sobre dados e informações referentes a violações de direitos sofridas pelas mulheres para constatar iniquidades e injustiças vivenciadas por elas nos dias de hoje. Em pesquisa divulgada pela ActionAid em 2014, 90% das mulheres brasileiras diziam ter deixado de usar alguma roupa por medo de assédio. Dados mais recentes publicados pela organização em 2016 mostram que 86% das participantes de outro levantamento apontaram já terem sofrido assédio em espaços públicos. Quando paramos para analisar de perto a participação das mulheres nos espaços de poder, nos deparamos com números que as colocam com menos de 10% dos cargos parlamentares. Esses são apenas alguns exemplos que comprovam a extrema importância do feminismo para a garantia real da autonomia das mulheres, e para por fim aos modelos sociais baseados no poder masculino, que perpetuam, há séculos, violações e violências de gênero.

É notório que as lutas das mulheres nos últimos anos têm ficado cada vez mais fortes: o feminismo vem impulsionando debates sobre as causas que agravam as desigualdades entre homens e mulheres no Brasil e no mundo. Hoje, o movimento está focado em bandeiras como o fim de todas as formas de violência e discriminação; a igualdade no mercado de trabalho; o direito à participação democrática; o acesso ao poder político de forma equitativa; a democratização das relações no âmbito privado; o direito à saúde e ao livre exercício da sexualidade; e o amplo alcance das políticas públicas de interesse das mulheres, entre outras.

Este ano, no 8 de março, os movimentos feministas do mundo decidiram, de forma unificada, mobilizar uma greve de mulheres, que tem como mote “Se não valorizam nossas vidas, que produzam sem nós”. Esta parada internacional deve ter adesão em pelo menos 40 países, entre eles Brasil, Argentina, Polônia, Estados Unidos, Uruguai e Peru. A mobilização tem como objetivo chamar atenção para a invisibilidade do trabalho doméstico desempenhado majoritariamente por mulheres, e para as diversas violações de direitos e violências sofridas, que ameaçam suas vidas diariamente nas cidades e no campo.

O diferencial entre homens e mulheres na Previdência Social é o único mecanismo a reconhecer a divisão sexual do trabalho, que destina às mulheres piores salários, piores condições de trabalho e maiores responsabilidades pelo trabalho não remunerado

No Brasil, importantes movimentos feministas, como o Movimento de Mulheres Camponesas (MMC), a Marcha Mundial das Mulheres (MMM) e a Articulação das Mulheres Brasileiras (AMB), além de mulheres de centrais sindicais, se unem à greve internacional, que aqui recebeu o nome de “Eu Paro”. O principal foco é a luta contra os retrocessos trazidos pela conjuntura nacional e pelo desmonte da Previdência. A PEC 287, encaminhada pelo governo ao Congresso, prevê a equiparação dos critérios de idade e tempo de contribuição para homens e mulheres.

Assim, mulheres, professores e trabalhadores rurais perderão os dois requisitos que atualmente os diferenciam para efeito de aposentadoria: idade e tempo de contribuição. Defender essa proposta é defender todas as desigualdades de gênero reproduzidas pelo mercado de trabalho, e, além disso, aprofundá-las no momento da aposentadoria. O diferencial entre homens e mulheres na Previdência Social é o único mecanismo a reconhecer a divisão sexual do trabalho, que destina às mulheres piores salários, piores condições de trabalho e maiores responsabilidades pelo trabalho não remunerado.

A participação de todas é fundamental neste momento crucial de resistência. Não aceitamos nenhum direito a menos. E é por isso que, no dia 8 de março, as trabalhadoras da ActionAid no Brasil serão liberadas de suas atividades, para se juntarem nas ruas de suas cidades às milhares de mulheres na luta feminista por um mundo mais justo e igual. É o mínimo que podemos fazer.

*Ana Paula Ferreira é coordenadora do Programa de Direito das Mulheres da ActionAid no Brasil, feminista e doutora em Recursos Naturais e Sustentabilidade pela Universidade de Córdoba, na Espanha, com tese sobre agroecologia e feminismo.

*Este artigo é de autoria de colaboradores do HuffPost Brasil e não representa ideias ou opiniões do veículo. Mundialmente, o Huffington Post é um espaço que tem como objetivo ampliar vozes e garantir a pluralidade do debate sobre temas importantes para a agenda pública.

 

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