Segundo Luislinda, no Brasil quem tem padrinho não morre pagão.

“Peço ao Senhor, Presidente da República, Dr. Michel Temer, o padrinho das mulheres negras brasileiras, que utilize a caneta e o coração, que lhe são peculiares, para ajudar a comunidade Kalunga e outras comunidades negras”, complementou Luislinda Valois.

Por Marcos Romao Do Mama Press

Vou logo dizendo que simpatizo com a Ministra dos Direitos Humanos do Governo Temer, um goveno que em nada prima, exatemente na questão dos Direitos Humanos e respeito à população negra.
Simpatizo, porque ela é uma mulher negra, que me lembra a minha tia, que sempre me disse, que a maior tristeza que ela sentiu na vida, foi quando Getúlio Vargas morreu, pois para ela morreu um pai e não somente um presidente.

Minha tia sabia o que era ter vivido e crescido  em um Brasil com apartheid racial sem pai e sem padrinhos.

Ela se lembrava que começou trabalhar como comerciária, aos 18 anos de idade com direitos trabalhistas, que antes eram negados para todos os descendentes de ex-escravos no Brasil.

Lembrava que sua irmã, minha mãe Aurore, que  com um pouco mais sorte, graças ao “padrinho Getúlio”, frequentou o curso Normal, ao lado de outra alunas negras,  na Escola Industrial Aurelino Leal,  que ficava em frente ao Palácio do Governo do antigo Estado do Rio, no bairro da burguesia branca chamado Ingá, em Niterói.

Minha tia e minha mãe escaparam dos guetos do apartheid brasileiro e formaram famílias de negras e negros conscientes e libertos. Elas morreram lembrando do pai/padrinho, o branco Getúlio Vargas. O Brasil era e é assim, eu as compreendo.

Luislinda Valois deve se lembrar das perseguições ao Candomblé que seus ancestrais contava. Ela deve saber muito bem, da tradição no Candomblé em ter padrinhos poderosos, os famosos Ogans escritores, governadores,presidentes brancos e principalmente delegados de polícia, todos brancos, nomeados para protegerem seus terreiros negros.

Que negra ou negro jovem,  não tem em sua familia uma tia que pensa e vive como Luislinda?

Que negra ou negro jovem não sabe, que sem padrinho branco, uma negra ou um negro, não sobe de jeito nenhum em sua carreira profissional no Brasil?
Qual o caminho, ser mal agradecido e desistir como o Barbosa, ou acolitar-se e agradecer ao ao benfeitor e alforriador branco e seu amigo ou amigo de parente, como muito profissional negro faz?

Minha tia Ivete Aurore, me disse quando eu tinha 35 anos e precisei mais uma vez fugir do país, que ela finalmente não precisava ser agradecida aos brancos, pois então ela sabia ao me escutar , que ela e minha mãe Aurore Florentine, haviam feito a mim e aos de minha idade, homens e mulheres negras e negros revoltados e mal-agradecidos.

Ela tomara conhecimento que a geração de setenta, começara a dar um basta a esta política clientelista de receber migalhas de brancos poderosos.

Mas ela me dizia: “Veja, por você se revoltar, por seus amigos e amigas se revoltarem, fizeram você de Cristo, lhe tiraram o emprego, e agora querem lhe matar, eu não quero isto para você meu filho.”

Eu a compreendi, compreendi o seu medo quando eu tinha 35 anos, pois vivia o mesmo medo agudo, que ela viveu toda a vida, de por um vacilo, um gesto de mal agradecimento perder o pouco que tinha e até a vida.

Compreendo muito bem Luislinda, e imagino minha tia Ivete ao proferir um discurso como ministra imaginária de Getúlio Vargas.

Minha tia também teria que conter as lágrimas, e provavelmente seria agradecidissima à benevolência com os negros e negras do ditador de plantão. Ela estaria até então tão acostumada ao nada, que migalhas seriam um banquete em sua mesa.

Mas se viva e ministra, minha tia hoje, já formada pelos sobrinhos e sobrinhas, não daria um vacilo destes, no mínimo teria uma sobrinha com um “telepromt” preparado, para não vacialar e escorregar nas palavras,  na emoção diante do cerimonial branco.

Não conheço a Luislinda Valois pessoalmente, mas fiz parte da campanha para que ela se tornasse desembargadora já no final de sua carreira. Ela já havia sido preterida várias vezes por não ter padrinhos fortes.

Seu padrinho na época, assim como para o Barbosa, foi o Movimento Negro do Brasil. Mas creio que nem o Barbosa, nem a Luislinda reconhecem isto.

Ralaram tanto na vida, que devem achar que se fizeram por elas e eles mesmos, como milhares de negros e negras, também acreditam, que não precisam de outros negros para avançarem em suas carreiras no mundo branco.

Reitero mais uma vez, amo a trajetória de vida e reconheço o quanto a Luislinda Valois deve ter amargado para chegar aonde chegou.

Sei que ela poderia até ser minha tia. Mas se continuar assim, não servirá nem para dizer que está lá para proteger as mulheres e os homens negras e negros, de um governo ilegítmo e brancófono como é este governo Temer.

Luislinda Valois: suas madrinhas e padrinhos, são o movimento negro contemporãneo, quer você saiba ou não.

Ainda há tempo de fazer um banho de imersão com arruda em outros terreiros e saber que não precisamos de nenhum padrinho branco.
Nos escute, escute as mulheres negras e os homens negros, ou caia sozinha.

Desembargadora Luislinda, como minha tia eu a aceito, mas para ministra que fale em nome das mulheres negras do Brasil, ainda falta muito. Com todo o respeito.

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