Fechei os olhos e pedi pra Deus que acabasse logo. Falei que estava doendo, e ele disse que, se eu não relaxasse, ia doer mesmo’
no AzMina
“Sou lésbica, e sei disso desde meus 11 anos. Mas aos 14 anos, comecei a questionar minha sexualidade, visto que nunca tinha tido relação com homens. Então resolvi experimentar. Tinha um amigo do terceiro ano do ensino médio, 17 anos, que tinha um crush em mim e logo se ofereceu para fazer parte dessa ‘descoberta’.
Achei que, como éramos amigos, seria fácil lidar com aquilo. Combinamos um dia e ele foi lá em casa, transamos e foi ruim. Não senti nada além de dor. Pensei ‘ok, tenho certeza que não quero isso nunca mais’. Mas acho que ele não se conformou.
Tentei seguir a amizade numa boa e achei que estava dando certo. Um dia, ele me chamou para dar um rolê na praça, e eu fui. Chegando lá ele teve a ideia de comprar uma bebida pra gente, eu topei. Mesmo sendo menor de idade, ele conseguiu comprar bebida numa distribuidora, mas pediu para eu esperar do lado de fora pois tinha muita ‘cara de criança’.
Ele comprou uma vodca com sabor de maçã. Pra ninguém ver, achou que seria melhor se fôssemos pra casa dele, e eu topei. Chegando lá ele colocou uma musica e encheu dois copos. Pouco tempo depois eu já estava me sentindo bêbada. E foi quando eu percebi que só eu estava bebendo. Ele não tinha nem tocado no copo, e eu já havia bebido quase toda a garrafa. Fiquei com vergonha. Perguntei porque ele não estava bebendo, e deu a desculpa que não tinha gostado daquela vodca.
Ficamos um tempo conversando e ele sugeriu que fôssemos pro quarto, e eu não topei. Comecei a entender a situação. Pedi pra ele me levar embora, ele insistiu pra irmos pro quarto, começou a me puxar pra levantar, e percebi que eu estava mole, sem controle do meu corpo.
Ele era fortinho, fazia musculação, e não teve dificuldade de me carregar, mesmo eu fazendo o possível pra não ir. Me levou pro quarto dos pais, me deitou na cama. Comecei a implorar pra ir embora, mas mal conseguia falar de tão bêbada.
Pedia ‘por favor, por favor, eu não quero’. E ele dizia ‘mas já fizemos isso antes, não tem problema, dessa vez não vai doer’, e foi tirando meu tênis, depois minha calça, minha calcinha… Eu continuei implorando, mas não conseguia me mexer o suficiente pra impedi-lo.
Fechei os olhos e pedi pra Deus que acabasse logo. Me sentia impotente. Falei que estava doendo, e ele disse que, se eu não relaxasse, ia doer mesmo.
No meio da situação eu comecei a vomitar, mas nem assim ele parou. Apaguei por uns minutos e, quando acordei, ele não estava mais em cima de mim. Eu ainda estava sem roupa. Logo ele veio e começou a me vestir. Me pegou no colo e me levou até o carro. Tinha um amigo que estava esperando pra dirigir, e me levou pra casa. Me colocou na cama e foi embora.
Quando minha mãe chegou do trabalho, achou que eu estava dormindo e não veio conversar comigo. Fiquei aliviada porque tinha medo dela perceber que eu tinha bebido. O dia seguinte foi difícil, eu sentia muita dor no corpo e estava morrendo de vergonha de vê-lo no colégio.
Fiquei me questionando se ele havia usado camisinha, se tinha gozado, se aquele amigo que apareceu só foi pra dirigir ia sair contando pra todo mundo, se ele tinha percebido que eu não estava depilada.
Revê-lo na escola foi estranho e difícil, eu estava muito envergonhada. Ele tinha esperança de namorar comigo, não aceitava que eu não tinha gostado de ficar com ele, então ficou me perseguindo por um tempo. Insistia pra gente sair de novo, dizia que ia me ”conquistar”.
Eu inventava dizendo que estava apaixonada por alguém só pra ele sair do meu pé, mas não adiantava. Só fui ter sossego quando o ano acabou, ele entrou pra faculdade e eu entrei no Ensino Médio. Mesmo assim, ele mandava mensagem perguntando se eu estava solteira e quando iríamos sair. Eu não respondia mais.
Por muito tempo me senti culpada. Depois disso comecei a evitar amizades masculinas. Mas só fui entender que eu havia sido estuprada cinco anos depois. Quando eu comecei a estudar sobre feminismo, cinco anos depois, lia muita coisa sobre consentimento.
Então fui conversar com uma amiga que já fazia parte do movimento: eu falei pra ela que achava que tinha sido estuprada e contei a história. Ela respondeu dizendo ”sim, você foi estuprada”. A culpa que eu sentia começou a passar.
Não contei pra mais ninguém. Minha mãe nunca ficou sabendo. Voltei a ter relações um ano depois, com mulheres. E passei a andar só com mulheres. Mais pra frente tive amigos homens, mas que eram gays. Até hoje me sinto desconfortável de pensar em ter amizade com um homem hétero.”