Como todo mundo sabe, a profissão de empregada doméstica não é muito frequente nos países ricos. Lá é caro ter empregada, porque o salário de uma não é assim tão distante do que ganha um médico, por exemplo. Nos EUA e em partes da Europa, algumas famílias de classe média até conseguem ter empregada, mas contratando imigrantes ilegais.

Antes de começar a falar sobre o trabalho doméstico vou levantar algumas premissas que norteiam meu pensamento e, portanto, meu raciocínio para poder analisar o trabalho doméstico como é realizado hoje.
O surgimento do patriarcado e da opressão de gênero se deu no momento em que os grupos sociais deixaram de ser nômades e o trabalho passou a ser dividido sexualmente. Até então a humanidade se organizava em grupos matricêntricos (não matriarcais). As mulheres precisavam ficar mais próximas de sua prole e coube-lhes o trabalho no âmbito doméstico, privado, a coleta de frutas e a criação de pequenos animais. Aos homens, em função da força física, coube a caça, o trabalho pesado da agricultura que logo se desenvolveria e a criação de animais maiores. Mas o fator decisivo na opressão de gênero ocorreu quando o homem descobriu seu papel na reprodução humana, até então desconhecido.
Está claro que o fato da humanidade deixar de ser nômade, a divisão sexual do trabalho e a descoberta do homem de sua função na procriação foram fundamentais para o surgimento da propriedade privada juntamente com o controle sexual da mulher. Afinal os homens, agora machos provedores, precisavam ter certeza de sua descendência para garantir a herança de seus bens.
Conhecer a nossa história nos ajuda a entender os meandros de nossa opressão. Mas claro que a humanidade evoluiu, se modernizou, vieram os meios de produção, o acúmulo do capital ― que advém do trabalho, é sempre bom lembrar ― e as mulheres sempre ali, no seu mundinho privado, exceto pelas chamadas pioneiras e revolucionárias que nunca se importaram com rótulos ou com quão árdua fosse a luta desde que não ficassem numa situação de submissão ad eternum.
Mas assim como o surgimento da opressão de classe se confunde com a opressão de gênero e se sustenta nela, a luta das mulheres por sua libertação também. Se por um lado a violência sexista é ampla e democrática, no restante da vida a opressão de gênero é infinitamente mais leve para as mulheres burguesas. Enquanto as operárias trabalhavam na fábrica e ao chegar em casa precisavam dar conta do trabalho doméstico ― já que a divisão sexual permanece ―, as mulheres burguesas contam com o auxílio de outras mulheres que iam fazer o “seu” trabalho.
Estou colocando dessa forma para explicitar que a origem do problema está na divisão sexual do trabalho, uma vez que nós mulheres conquistamos o direito ao trabalho no espaço público mas não conseguimos dividir o trabalho no espaço doméstico.
É nítido onde quero chegar. Ter uma empregada doméstica ― posto ocupado em sua quase totalidade por mulheres e em sua ampla maioria por mulheres negras ― é coisa da burguesia. E essanossa classe média, que não se cansa de assimilar valores burgueses e imitar seus costumes, no primeiro degrau de ascensão social, na primeira oportunidade contrata logo uma empregada doméstica. É status social.
Cômodo, não? Para se livrar do “dever” do trabalho doméstico que não é dividido igualitariamente entre os habitantes de uma casa, a mulher que ascende socialmente trata logo de exploraro trabalho de outra mulher em clara desvantagem social para limpar a sujeira produzida por ela e pelos habitantes de sua casa. Nada mais grotesco e senso comum. Sem falar na opressão racial diretamente embutida nesta relação e na sua origem escravagista.
Costumo dizer “Eu limpo minha sujeira” para salientar que precisamos é discutir a divisão sexual do trabalho. Eu, enquanto feminista, preciso aprender a negociar a divisão do trabalho doméstico com minha família e os habitantes da minha casa. Porque explorar o trabalho de uma mulher em clara desvantagem social e racial não é solução. Assim como defender meus privilégios classemedianos pequeno burgueses não me isenta da cumplicidade e participação ativa na opressão dessas mulheres.
É tão tosco manter alguém para limpar a sujeira produzida por outros que daqui a pouco organizarei protestos com o mote “LIBERTE SUA EMPREGADA DOMÉSTICA!”. Grotesco por grotesco, fico com a luta por justiça.
Valorizar o trabalho doméstico, dignificá-lo, passa justamente por assumi-lo. Para a legião de burguesas, pequeno burguesas e classemedianas que reagirão a esse texto com uma vontade súbita de se tornarem faxineiras, digo: Se limpar a sujeira da TUA CASA é tão digno assim, FAÇA VOCÊ MESMA! Está pesado, difícil, não tem tempo? A modernidade e a tua falta de habilidade em negociar o trabalho doméstico com tua família não pode servir de desculpa para a exploração de outra pessoa, principalmente de outra mulher. Seja feminista, oras! Lute pela tua libertação e pela libertação daquelas que ainda não adquiriram consciência de gênero.
A vitória é de todas as nossas ancestrais – Aprovada a PEC das Domésticas
Fonte: Escreva Lola Escreva