Folha de São Paulo – Tendências/Debates
Data: 13/05/09
– José Vicente –
FERNANDO Haddad, ministro da Educação, constrangido e decepcionado, relatou que nos 15 anos que permanecera na USP, entre graduação e pós-graduação, não teve a alegria da companhia de um colega de classe negro e, com bastante certeza, também de nenhum professor, haja vista que, dos quase 6.000 professores da maior universidade da América Latina, apenas 6 são negros.
Disse ainda que essa ocorrência era ininteligível e inaceitável num país construído sobre alicerces republicanos e sobre vigas democráticas.
Assim, complementava o ministro, os 120 jovens negros formandos da primeira turma da Faculdade Zumbi dos Palmares, no ano de 2008, tinham sido mais felizes do que ele e, certamente, tiveram uma oportunidade ímpar de vivenciar intensamente o valor da diversidade, apresentando, dessa forma, melhores possibilidades de se tornarem bons profissionais e competentes cidadãos.
A correta e exata constatação, que, em grande medida, pode ser estendida para o conjunto do ensino superior público e privado e, sem muitas exceções, para o universo dos espaços de status, prestígio e poder do país, aponta com precisão a terrível contradição entre as aspirações e os ideários de justiça e igualdade da sociedade brasileira e a verdade da realidade cotidiana.
Os escombros de 350 anos de escravidão espalhados e abandonados pelos cantos do país e os 121 anos da abolição que a República extinguiu e inaugurou, respectivamente, produziram uma sociedade racialmente hierarquizada, na qual os negros do Brasil “de fora” não entram no Brasil “de dentro”.
A ideologia da inferioridade do negro, acompanhada de sua permanente desconstrução como pessoa humana, com a finalidade de produzir justificativas morais e legitimidade política para a instalação e manutenção do comércio do corpo e a escravidão, cristalizou e naturalizou o preconceito e a discriminação nas estruturas do Estado e das instituições.
Essa ideologia povoou e impregnou o imaginário social e continua sendo alimentada e se alimentando livremente, produzindo e reproduzindo as mesmas crenças e práticas que definem, na mente e no gesto, o lugar do negro no edifício social.
Não existem as placas ostensivas e leais do “No black” do apartheid sul-africano ou norte-americano nos elevadores da nossa República. Elas são invisíveis, operam silenciosas e mediante engenhos sofisticados. No nosso edifício social, os elevadores não possuem placas, mas, quando franqueado, o negro só pode subir pelo de serviço.
Um simples olhar ao nosso redor é suficiente para demonstrar que aqueles que nos antecederam fizeram escolhas erradas. É claro, está faltando negro aí! É equivocada a ideia de justiça e liberdade quando dois cidadãos se encontram para sempre impedidos de se cruzarem ao longo do caminho porque suas estradas são paralelas.
Um país com esses atributos não poderá ser longevamente bom para ninguém. Devemos recusar a ideia de que este é o melhor país que podemos construir. Devemos nos rebelar contra a naturalização de um país separado e desigual. Precisamos construir um novo país. Proponho que comecemos pela educação.
Uma educação em que a diversidade étnica e estética seja um valor global na prática cotidiana, na formação, na ambientação, na distribuição da participação das oportunidades. Uma educação em que o acesso aos recursos públicos e os negócios com o Estado exijam a contrapartida da prática e a cultura da diversidade.
Em que a comunicação como concessão esteja subordinada ao primado da pluralidade estética e da representação social.
Uma educação em que os resultados da produção do conhecimento e o acesso aos bens culturais sejam indistintamente disponibilizados a todos.
Definitivamente, precisamos de uma educação que possibilite a construção de caminhos variados e que todos os caminhos façam com que as pessoas se descubram, se emocionem, troquem confidências, se toquem, se amem e cantem juntas uma canção.
Amanhã, 14 de maio, nós, da Faculdade Zumbi dos Palmares, entregamos à nação mais 240 jovens negros formados no curso de administração.
Sessenta por cento deles efetivados nos estágios executivos com os parceiros do sistema bancário.
Mais uma vez, com o apoio inestimável de grandes brasileiros, confirmamos o que soubemos e praticamos desde sempre: a liberdade educa e a educação liberta. Sem educação, não há liberdade.
JOSÉ VICENTE , advogado, sociólogo, mestre em administração e doutorando em educação, reitor da Faculdade Zumbi dos Palmares.