SEPPIR pede ao Ministério Público para monitorar intolerância religiosa em Pernambuco

No ano em que se celebra o centenário de um dos episódios históricos mais violentos contra povos de comunidades tradicionais – a “Quebra de Xangô”, ocorrida em Maceió, em 1912 – a intolerância religiosa volta a se repetir, desta vez, em Recife. O Jornal do Comércio de Pernambuco divulgou hoje (18) um vídeo em que centenas de pessoas tentaram invadir um terreiro de matriz africana no último domingo (15). O acontecimento se dá quatro dias depois de um outro grupo de pessoas invadir e atear fogo em terreiros da cidade Brejo Madre de Deus, no agreste pernambucano, onde um menino de nove anos foi assassinado num suposto ritual de sacrifício em que os suspeitos seriam umbandistas.

Diante da gravidade da situação e do risco para os fieis das tradições de matriz africana em Pernambuco, a Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (SEPPIR) solicitou auxílio do Grupo de Trabalho Antirracismo do Ministério Público do Estado para monitorar os acontecimentos.

Em Recife, o ato de intolerância religiosa foi registrado pelo babalorixá Érico Lustosa, que narra o vídeo cobrando uma posição da polícia a fim de evitar uma “guerra religiosa”. Na descrição do vídeo postado no Youtube, Lustosa afirma que as pessoas gritavam “Sai daí, demônio” e forçavam o portão do terreiro, que não teve seu nome divulgado.

“Em todos os segmentos populacionais, em todas as tradições, em todas as religiões podem existir pessoas desonestas e criminosas. A generalização que leva à depredação desses terreiros é fruto do racismo, que impede que se enxergue os atos individuais nessas circunstâncias. Não é porque alguém supostamente ligado a esta ou aquela tradição cometeu um crime que se justifica essa resposta agressiva a toda uma comunidade”, avaliou a secretária de Políticas para Comunidades Tradicionais da SEPPIR, Silvany Euclênio.

Já em Brejo de Madre de Deus, o motivo da revolta contra o terreiro foi o fato de terem sido encontrados utensílios semelhantes aos usados em rituais dessas comunidades tradicionais e de os suspeitos se intitularem como umbandistas. Porém, de acordo com o diretor do Conselho Estadual de Promoção da Igualdade Racial (Coepir) de Pernambuco, José Arruda, nas caminhadas de terreiros “não há registro daquela comunidade”.

Distorção – O caso ganhou espaço na mídia local, que, como prática recorrente, denominou o crime como um “ritual de magia negra”. “A palavra negra, nesse caso, traz a carga negativa para uma suposta prática religiosa ou tradicional, que, na verdade, é apenas criminosa e não está relacionada a raça”, explica Silvany Euclênio. Lideranças tradicionais de matriz africana passaram a usar a Internet para manifestar solidariedade à família da criança e explicar que condenam rituais que envolvam morte humana.

Quebra de Xangô

A Quebra de Xangô foi uma das maiores violências sofridas pelos povos de comunidades tradicionais no país. No dia 02 de fevereiro de 1912, na cidade de Maceió, em Alagoas, centenas de pessoas invadiram, depredaram e queimaram os principais terreiros de Xangô da cidade, espancando líderes e pais de santo dos cultos afros. A imprensa teve um importante papel nos ataques aos terreiros. Alguns jornais usavam termos pejorativos ao se referir aos rituais. O Jornal de Alagoas realizou uma série de matérias intituladas “Bruxaria”, que foram publicadas nos dias que se seguiram ao episódio.

 

 

Fonte: Lista Racial 

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