Dia 29 de Agosto, celebra-se o Dia Nacional da Visibilidade Lésbica. E cada vez mais se faz importante que as mulheres lésbicas, que têm suas existências censuradas até na literatura, reivindiquem visibilidade.
Por Natacha Orestes, do HuffPost Brasil
Afinal, censura literária é metáfora pra censura histórica. Não à toa os livros da autora lésbica Cassandra Rios foram todos retirados de circulação na época da ditadura militar. São poucos os registros de literatura das mulheres que quebraram as regras do “heteropatriarcado” e afirmaram com orgulho sua sexualidade.
Temos registro de Safo de Lesbos, de onde se originou a definição da palavra “lésbica”, e algumas simbologias próprias como “As Amazonas” aqui no Brasil. Mas o acesso a estas informações é escasso. Isso não é uma coincidência infeliz, mas consequência de um projeto político inquisitório que começou com a materialidade dos corpos do sexo feminino queimados nas fogueiras da inquisição (o que acontece até hoje, inclusive no Brasil, mesmo que de forma simbólica) e continua no extermínio não só dos corpos do sexo feminino pelo recém-tipificado feminicídio, mas também da história de resistência que as sobreviventes desta política sistematicamente inquisitória travaram e travam com suas próprias vidas.
A história lésbica, junto com a existência dos corpos lésbicos, é sequestrada e assassinada pela política inquisitória. Daí a importância de falarmos sobre visibilidade lésbica. É como se, por serem as lésbicas aquelas que, de certa forma, escapam ao domínio sexual masculino, suas existências e histórias precisassem ser aniquiladas, já que representam uma possibilidade de cultura que ameaça o poder de dominação do patriarcado.
Neste sentido, falar em visibilidade lésbica é falar em resistência (não em diversidade, motivo pelo qual as lésbicas se distanciam do movimento “GGTT”). Visibilidade lésbica é resistência à política inquisitória que não quer que o sexo feminino exista e seja visto quando mulheres não se submetem aos padrões masculinos do que é ser mulher.
O movimento lésbico, porém, não pode ser romantizado. Romantizar uma história a descaracteriza politicamente, criando ruídos na comunicação, logo, na produção do sentido histórico. Há uma certa condescendência dentro do movimento lésbico em relação à capacidade de lésbicas serem sujeitos capazes reproduzir violências patriarcais entre si.
Uma dessas violências bastante presente no movimento lésbico (assim como também acontece muito no feminismo) é a exclusão das pautas da maternidade aos debates políticos. Não pautar a maternidade como uma ferramenta de debate político dentro dos espaços lésbicos é perpetuar a exclusão da participação das mães na criação da cultura lésbica, e isso é exatamente o que as pessoas do sexo masculino fazem com as mulheres, é o que feministas heterossexuais fazem com as lésbicas e é o que lésbicas têm feito com lésbicas que são mães.
Como exigir uma postura ética de pessoas de fora dos movimentos se nós, como ativistas, não conseguimos fazer o mesmo internamente entre as diversas lésbicas com suas demandas sociais específicas?
Ser lésbica e ser mãe é ser invisível duas vezes. É a soma de duas invisibilidades. A invisibilidade da existência lésbica e a invisibilidade do trabalho escravo que é a maternidade. As mães lésbicas sofrem lesbofobia no movimento materno e têm sua lesbianidade questionada em movimentos lésbicos. Só existe para nós a possibilidade de experimentarmos violência e exclusão por termos parido ou adotado filhos quando, na verdade, a maternidade lésbica representa um local social e uma história de potência política que não pode simplesmente ser ignorada.
Um estudo realizado nos EUA revelou que a taxa de crianças e adolescentes com histórico de violência sexual, filhas ou filhos de mães lésbicas, é de 0%. O que significa que mães lésbicas, aquelas que desmantelaram com a própria existência a família heterossexual, sabem proteger suas crianças de estupro e este não é um dado histórico irrelevante para as lésbicas.
No Dia Nacional da Visibilidade Lésbica, eu peço encarecidamente às lésbicas que não são mães que possam se organizar para tornar o acesso social das mães lésbicas aos espaços políticos um objetivo a ser alcançado.
As mães lésbicas também merecem visibilidade. O amadurecimento político do movimento lésbico depende da participação das mães em seus espaços. Que a visibilidade comece por nós.