Por: KALAF ANGELO
Eu amo a moda, e por ela manifestei a minha indignação perante a injustiça – que eu e alguns profissionais do ramo identificaram e tornaram pública nessa grande tribuna que é o Facebook – da não nomeação do modelo Fernando Cabral para os Fashion Awards. Fernando Cabral é o único português presente entre os 50 melhores do universo da moda masculina e, com apenas dois anos de actividade, já conta com um currículo ímpar, incluindo, logo no seu primeiro ano, desfiles para as melhores casas, entre elas, a Louis Vuitton!
Tenho o orgulho de ter sido um dos que o convenceram a desfilar e de ter estado presente naquele dia em Paris, câmara em punho e vibrando como se fosse eu a caminhar naquela passerelle. Como estas coisas geralmente passam despercebidas em Portugal, foi com algum espanto que verifiquei que a imprensa local fez menção ao editorial fotográfico pelo incontornável Nick Night, onde o Fernando aparece ao lado de Kate Moss. Por instantes pensei que estávamos num país diferente. Afinal, os santos da casa raramente fazem milagres e o Fernando é negro, condição de quase-invisibilidade nesta sociedade.
No Facebook, manifestei-me contra aquilo que penso ser uma negligência por parte daqueles que concebem o evento Fashion Awards em Portugal. E, na minha declaração, lancei a questão: será Portugal um país racista?
Acredito que não o será mais do que outros países. Ou, se pretendermos que os países são meros espaços geográficos, que as pessoas aqui não o serão mais do que as pessoas ali. Na verdade, somos todos pessoas de bem, educados e bem intencionados. Pelo que é alarmante que o tema raça/cor ainda dê azo a tantas más interpretações.
Para entender as questões raciais, dentro desta contemporaneidade alicerçada na ideia de que o mundo é um ovo, é preciso não só humildade, mas também alguma sofisticação. Confrontar a Europa com o seu passado colonial e opressivo, sustentado no uso do café, do ouro e da escravatura alheias e na perpetuação dos seus próprios valores, forjando novos mundos a qualquer custo, sem que tal pareça uma ofensa, é quase impossível. Assim como é impossível chamar alguém de “preto” sem iniciar um debate sobre xenofobia. Mas como olhar para a história do Velho Continente e da sua relação com a África negra sem acordar sentimentos de culpa e toda a negação que geralmente associamos ao embaraço e que se manifesta com actos defensivos e justificações naïf? Soluções que combatam injustiças não nascem de palavras. As mudanças só são efectivas quando acreditarmos que só o amor nos poderá salvar, pretos e brancos. O racismo não se combate com discursos demagogos, nem por decreto; combate-se com amor. Se soubermos amar, saberemos perdoar. Agora, quantos saberão e terão coragem para embarcar nesse amor incondicional e verdadeiro pelo diferente?
Fonte: Publico