Simples assim

Dois deputados de SP, do União Brasil, apresentaram projetos de lei para alterar o entendimento sobre o crime de racismo

Quando comecei a publicar a coluna na Folha, em 2020, algumas pessoas me aconselharam a “diversificar a pauta” e não escrever “só” (ou tanto) sobre questões étnico-raciais. Previam que faltaria assunto ou me tornaria repetitiva —uma espécie de “colunista de uma nota só”, como ouvi de alguém.

Teimosa, resolvi contrariar os conselhos. Àquela altura da vida já acumulava experiência mais do que suficiente para saber que racismo, preconceito e discriminação contra negros e grupos “minorizados” são questões longe de se esgotar. Meia década depois, gostaria de poder dizer que a minha percepção inicial estava errada. Mas não posso. Além disso, quem melhor do que nós para falar sobre nós, as nossas dores, afetos, conquistas, frustrações, amores…?

Charge de Benett publicada na página Opinião, da Folha, em 18 de janeiro de 2022 – Benett

Nessa equação, é preciso considerar também os mestres do surrealismo fantástico, gente que insiste em teses estapafúrdias como o faz de conta nominado de “racismo reverso“. Os divergentes que me desculpem, mas uma pessoa branca não pode ser vítima de “racismo reverso”.

Por quê? Entre outras coisas, porque o racismo é um sistema de opressão que supõe relações de poder e dominação de um grupo opressor sobre um grupo oprimido. E essa definitivamente não é uma situação que se aplique a quem pertence a um grupo social historicamente privilegiado.

Contudo dois deputados de São Paulo (ambos do partido União Brasil) apresentaram há alguns dias projetos de lei para alterar o entendimento sobre o crime de racismo. As iniciativas brotaram feito erva daninha assim que o Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu pela impossibilidade de haver crime de injúria racial quando a suposta vítima é branca e a sua cor de pele é a causa exclusiva da ofensa.

O objetivo da legislação racial é proteger grupos historicamente discriminados em razão da própria existência. É triste saber que tanta gente (inclusive alguns pretos e pardos, infelizmente) ainda não consegue enxergar isso.


Ana Cristina Rosa – Jornalista especializada em comunicação pública e vice-presidente de gestão e parcerias da Associação Brasileira de Comunicação Pública (ABCPública)

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