O cenário econômico brasileiro foi remodelado pela ampla política de liberalização comercial promovida no início da década de 1990. Tarifas foram drasticamente reduzidas, setores industriais foram expostos à concorrência externa e o mercado de trabalho formal passou por um período de contração. Enquanto os impactos econômicos dessa abertura foram amplamente analisados, seus efeitos políticos de longo prazo permanecem menos debatidos. Contudo, um estudo recente se propôs a analisar isso.
Intitulado “Labor Unions and the Electoral Consequences of Trade Liberalization“, o trabalho realizado por Ogeda, Ornelas e Soares trouxe interessantes evidências mostrando que a reconfiguração da estrutura produtiva do país também alterou a dinâmica eleitoral, enfraquecendo de forma duradoura a esquerda em regiões mais afetadas pela concorrência estrangeira.
Para isso, eles analisaram os padrões eleitorais do período e mostraram que as regiões mais expostas aos cortes tarifários sofreram um persistente declínio na parcela de votos para candidatos presidenciais da esquerda. É interessante notar que a liberalização foi implementada por um governo de direita, resultando em uma contração industrial e perda de empregos formais nessas áreas. Desse modo, em tese, isso deveria ter gerado um apoio à esquerda.
Entretanto, o enfraquecimento dos sindicatos derivado da implementação da política parece explicar o resultado paradoxal. Historicamente, eles desempenharam um relevante papel na mobilização dos trabalhadores. Os autores mostram que, à medida que a exposição à concorrência internacional se ampliou, a presença sindical se deteriorou.
Esses resultados ressaltam uma dimensão que costuma ser negligenciada por pesquisadores empíricos que estudam os efeitos dos choques comerciais no Brasil, ou seja, sua capacidade de reconfigurar coalizões políticas por meio da desestruturação de organizações coletivas, não somente pela mudança nas preferências individuais dos eleitores.
Além disso, tal resultado é particularmente importante, visto que grande parte da literatura acadêmica foca as preocupações econômicas ou identitárias sobre o comportamento político. Desse modo, o estudo mostra que a experiência brasileira sugere que o declínio institucional, particularmente a erosão da representação sindical, pode ter tido consequências eleitorais duradouras não esperadas.
Analisar esses efeitos políticos colaterais se torna ainda mais relevante no atual cenário de guerra comercial promovido por Trump. Em seu primeiro mandato, essa política já tinha sido vendida como uma estratégia para fortalecer a economia americana, protegendo empregos e indústrias nacionais contra a concorrência estrangeira.
No entanto, um estudo de Blanchard, Bown e Chor, publicado em 2024 e intitulado “Did Trump’s Trade War Impact the 2018 Election?“, sugere que os custos políticos dessa política foram significativos. Ao analisar as eleições legislativas dos Estados Unidos naquele ano, os pesquisadores descobriram que candidatos republicanos perderam apoio em regiões mais expostas às barreiras comerciais impostas pelo governo, em relação às áreas menos afetadas.
Michael França – Ciclista, vencedor do Prêmio Jabuti Acadêmico, economista pela USP e pesquisador do Insper. Foi visiting scholar nas universidades de Columbia e Stanford