Sistema prisional entrega jovens de baixa periculosidade às facções

O Estado brasileiro tem investido de forma persistente no crescimento da criminalidade. Os resultados estão aí. Foram mais de 1 milhão de homicídios nos últimos 20 anos. De um patamar de 40 mil homicídios por ano, em meados da década de noventa, chegamos a 61.619 homicídios no ano passado, em sua maioria de jovens pobres e negros (Ipea/FBSP).

por Oscar Vilhena Vieira na Folha

A violência, como se sabe, é um fenômeno multicausal. Desigualdade, demografia, urbanização, drogas, bebidas alcoólicas, disponibilidade de armas de fogo, escolarização e até a iluminação das ruas afetam as taxas da criminalidade violenta. Temos problemas em todos esses fronts, que reclamam políticas públicas específicas e integradas. O mais preocupante, porém, é que nosso sistema criminal, ao invés de contribuir para a contenção do crime, tem desempenhado a função de mola propulsora da violência.

O sistema criminal é composto por leis, polícias, Ministério Público, Justiça e desemboca, com todas as suas deficiências, no sistema prisional. Como as primeiras instituições e a legislação não são capazes de discriminar eficientemente entre os que precisam ser e os que não deveriam ser encarcerados, temos assistido a um crescimento vertiginoso e desordenado da população carcerária. O Brasil passou a ter, em 2017, a terceira maior população carcerária do mundo. São 727 mil presos, para 368 mil vagas (Infopen). Perde apenas para Estados Unidos e China.

Além da superlotação, muitas são as mazelas. 40% dos presos são provisórios. Menos de 15% tem atividade laboral. A maioria são jovens, negros e de baixa escolaridade. As condições carcerárias são cruéis e degradantes.

O custo médio por preso é de R$ 2.400 por mês, conforme dados do Conselho Nacional de Justiça. A reincidência, quando mensurada a partir de nova condenação, é de 24%. A reincidência em sentido amplo é muito mais alta. Distintas pesquisas apontam que entre 50% e 70% das pessoas que passaram pelo sistema voltam a delinquir.

Mas o desastre não para aí. Estima-se que mais de 75% do sistema prisional esteja sob o controle de facções criminosas. Isso significa que o Estado age como sócio do crime organizado. Recruta anualmente centenas de milhares de jovens, muitos deles de baixa periculosidade, e os entrega as facções, dentro dos presídios. É a mais perversa “parceria público-privada” que se tem notícia. Não poderia haver um investimento público mais contraproducente.

A interrupção desse ciclo vicioso é urgente e deveria transcender barreiras ideológicas. O sistema só beneficia o crime organizado e os gigolôs da violência, que exploram o medo da população, vendendo falsas soluções que apenas agravarão o problema, como a redução da idade penal.

Não importa se por imperativo moral ou por ato de mera prudência, o sistema de Justiça criminal precisa ser drasticamente reformado, racionalizado, profissionalizado e modernizado. A degradação das condições de segurança no Rio de Janeiro, Sergipe, Alagoas, Maranhão, Rio Grande do Norte ou do Sul, dão o testemunho dessa exigência. Os candidatos aos governos estaduais e à Presidência têm que apresentar propostas claras e robustas para interromper esse processo de banalização da vida impulsionado pelo atual sistema criminal. Não há mais espaço para omissões ou bravatas.

+ sobre o tema

Missa para homenagear quilombos é alvo de ofensas em São Luís

Comentários até em tom de ameaça foram classificados pela...

Ahmaud Arbery foi morto por ser negro, conclui Justiça dos EUA

Os três homens brancos condenados por perseguir e matar o...

Racismo estrutural tem reflexo nas mortes pela polícia, diz chefe do Ministério Público de SP

Chefe do Ministério Público de São Paulo (MP-SP), órgão responsável por...

Racismo no Brasil choca relatora da OEA sobre direitos das mulheres e afrodescendentes

Responsável pela fiscalização do cumprimento das leis e tratados internacionais...

para lembrar

Moção de Apoio ao Projeto de Lei 4471/12

Entidades do movimento negro da Bahia manifestam apoio...

Neymar é atingido por banana em La Paz

A atitude dos torcedores do Bolívar, que atiraram diversos...
spot_imgspot_img

A natureza se impõe

Mundo afora, sobram sinais — de preocupantes a desesperadores — de fenômenos climáticos. Durante a semana, brasileiras e brasileiros em largas porções do território,...

Criminalização e Resistência: Carla Akotirene e Cidinha da Silva discutem racismo institucional no Sesc 24 de Maio 

No dia 16 de outubro, quarta-feira, às 19h, o Sesc 24 de Maio promove o bate-papo Criminalização, encarceramento em massa e resistência ao punitivismo...

Violência política mais que dobra na eleição de 2024

Foi surpreendente a votação obtida em São Paulo por um candidato a prefeito que explicitou a violência física em debates televisionados. Provocações que resultaram...
-+=