Audiências de custódia liberam 41% dos brancos das prisões e 35% dos negros

“Os operadores tenham plena consciência de que fazem análises baseadas na discriminação racial”, aponta a pesquisa do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.

Por  Marcella Fernandes, do HuffPost Brasil

Pessoas brancas ficaram presas em 49,4% das audiências de custódia e receberam liberdade provisória em 41%. Já entre pretos e pardos a detenção foi mantida em 55,5% das vezes e relaxada em 35,2%, aponta pesquisa do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP).

Foto: DANIEL LEAL-OLIVAS

Esse mecanismo é uma tipo de reunião da pessoa presa em flagrante com um juiz, que analisa se a detenção deve ser mantida até o julgamento definitivo ou não.

O estudo identifica a discriminação racial dentro do sistema que deveria servir para desafogar as prisões brasileiras. Nove em cada dez detentos vivem em unidades superlotadas, de acordo com o Depen (Departamento Penitenciário Nacional).

Na audiência de custódia, a filtragem racial não é revertida ou anulada. Isso não significa dizer que os operadores tenham plena consciência de que fazem análises baseadas na discriminação racial; trata-se de um dado objetivo que materializa a situação mais dura que os negros enfrentam perante a justiça criminal, enquanto a situação para os brancos é mais favorável, mesmo que metade dos brancos tenha o mesmo destino carcerário que 65% dos negros.

O estudo foi contratado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e analisou 955 audiências de custódia, em seis capitais: Brasília (DF), Porto Alegre (RS), João Pessoa (PB), Palmas (TO), Florianópolis (SC) e São Paulo (SP).

Tráfico de drogas x violência contra mulher

A incidência de manutenção da prisão por tráfico (57,2%) é mais frequente que nos casos de violência contra mulher, em que 39,8% dos presos em flagrante permanecem encarcerados após a audiência.

Dos crimes violentos analisados, 65,1% tiveram a conversão da prisão em flagrante em prisão preventiva e 40% dos crimes cometidos sem violênciareceberam o mesmo tratamento. “Pode-se admitir que há uso excessivo da prisão provisória para delitos sem violência contra a pessoa”, diz o estudo.

Tiveram a prisão mantida 65,4% dos custodiados que tinham antecedentes criminais, enquanto o mesmo aconteceu com 37,3% dos que não tinham antecedentes.

O roubo é o delito que motiva o maior número de detenções em flagrante (22,1%). Tráfico vem como segundo lugar (16,9%), seguido de furto (14%) e receptação (11%). O último crime significa “adquirir, receber, transportar, conduzir ou ocultar, em proveito próprio ou alheio, coisa que sabe ser produto de crime, ou influir para que terceiro, de boa-fé, a adquira, receba ou oculte”.

Homicídios somaram 2,9% das audiências observadas. Violência doméstica aparece com incidência de 7,8% e outras lesões corporais com 1,8%.

O estudo critica o alto número de detenções em flagrante em que o crime não envolvia violência.

Se não mais do que 34,8% das prisões em flagrante observadas referem-se a delitos violentos, torna-se evidente que a liberdade se tornou exceção na prática policial e que a regra tem sido a prisão para crimes patrimoniais (cometidos ou não com violência) e de drogas (que somados correspondem a 64,1% dos delitos identificados nas audiências).

Perfil dos encarcerados

Das pessoas conduzidas à audiência de custódia, 51% tem até 25 anos e a idade de maior incidência é 18 anos. A concentração de jovens é ainda maior entre as pessoas negras, de acordo com o estudo.

Dos casos analisados, 90% eram homens e 9% mulheres. Cinco outros pessoas eram trans.

Sobre o uso de drogas, 35% dos custodiados responderam que usavam algum tipo de droga. A maconha foi citada por quase metade e o crack por um terço.

Violações de direitos humanos

Nas audiências de custódia acompanhadas, 81% das pessoas estavam algemadas, o que contraria a Resolução n. 213/2015 do CNJ. Já em 86,2% dos casos foi observada a presença desses agentes.

“Nota-se forte aparato de segurança sobre os presos no momento das audiências, no qual as algemas e a presença dos agentes se combinam, mesmo em situações de baixa periculosidade”, diz o levantamento.

Quanto às obrigações do juiz, em 26% dos encontros não foi informada a finalidade da audiência e para 49,9% não foi explicado o direito de permanecer em silêncio. Para 49,7% dos presos também não foi explicado o crime que motivou a prisão.

“Vale destacar que existe dificuldade, para a maior parte das pessoas presas, de compreensão da linguagem usualmente acionada pelos operadores do direito. Não foram poucas as vezes em que os pesquisadores notaram a falta de entendimento dos presos em relação ao que foi discutido na audiência, incluindo seu resultado”, alerta o FBSP.

Quanto à violações no momento da prisão, 21,6% declararam ter sofrido algum tipo de violência e/ou maus-tratos no momento da prisão. Para 31,8% não foi feita qualquer pergunta nesse sentido.

O que é audiência de custódia

A audiência de custódia é uma reunião entre o preso em flagrante delito com um juiz. O objetivo é permitir uma análise da prisão e garantir que o acusado se defenda. A medida é uma aplicação dos Tratados de Direitos Humanos ratificados pelo Brasil.

Nesse encontro, o juiz decide se a prisão foi necessária e deve ser mantida ou não. Os resultados principais possíveis são: o relaxamento de eventual detenção ilegal, concessão de liberdade provisória (com ou sem fiança), substituição da prisão por medidas cautelares, conversão da prisão em flagrante em preventiva e um acordo para evitar a judicialização do conflito.

A audiência também tem um papel no combate à violência policial. Ela serve para permitir que o juiz, o membro do ministério público e da defesa técnica conheçam de possíveis casos de tortura e tomem as medidas adequadas.

Encarceramento em massa

A audiência de custódia é uma forma de desafogar as prisões brasileiras. Segundo o Depen, até junho de 2016, o Brasil atingiu 727 mil presos. O País ultrapassou a Rússia em 2015 e chegou À terceira maior população prisional do mundo, com a marca de 342 detentos por 100 mil habitantes.

Quanto ao número de presos provisórios, o percentual ultrapassa 50% do total em nove estados brasileiros. A média nacional é de 40%.

O mesmo levantamento do Depen mostrou que a superlotação também aumentou. A taxa de ocupação das prisões ficou em 197%.

 

+ sobre o tema

Fuvest divulga datas do vestibular 2025

A Fuvest divulgou nesta segunda-feira (18) o calendário de...

Arte para manter viva a memória do colonialismo alemão

Espectadores se concentram em torno das obras de Cheryl...

Lideranças brancas têm responsabilidade na busca pela equidade racial

O Censo 2022 revelou um dado de extrema relevância histórica e...

para lembrar

Der Spiegel: PM carioca é pior que as gangues

  “Pior do que gangues”. Esta é a...

Secretário de Haddad diz que disparo contra jovem no Jaçanã foi intencional

Rogério Sottili conversou com parentes e amigos do rapaz...

Em Alagoas todo dia se mata um jovem Zumbi!

por Arísia Barros   Em Alagoas o genocídio de jovens negros...

O racismo e o novo Capitão do Mato

Acompanhado de meu cunhado e sua namorada,...
spot_imgspot_img

Negros são maioria entre presos por tráfico de drogas em rondas policiais, diz Ipea

Nota do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) mostra que negros são mais alvos de prisões por tráfico de drogas em caso flagrantes feitos...

Caso Marielle: mandante da morte de vereadora teria foro privilegiado; entenda

O acordo de delação premiada do ex-policial militar Ronnie Lessa, acusado de ser o autor dos disparos contra a vereadora Marielle Franco (PSOL), não ocorreu do dia...

Pacto em torno do Império da Lei

Uma policial militar assiste, absolutamente passiva, a um homem armado (depois identificado como investigador) perseguir e ameaçar um jovem negro na saída de uma...
-+=