Sobre elogios e autoestima. Por que elogiar uma irmã negra

As mulheres negras que escolhem (e aqui enfatizo a palavra “escolhem”) praticar a arte e o ato de amar, devem dedicar tempo e energia expressando seu amor para outras pessoas negras, conhecidas ou não. Numa sociedade racista, capitalista e patriarcal, os negros não recebem muito amor. E é importante para nós que estamos passando por um processo de descolonização, perceber como outras pessoas negras respondem ao sentir nosso carinho e amor. (bell hooks – vivendo de amor)

Do ELOGIE UMA IRMA NEGRA

Por dias fiquei pensando nisso e percebi que não era da minha rotina elogiar mulheres negras, e com certeza não era da minha rotina receber elogios de outras mulheres negras.

O racismo age de muitas formas. A negação diária da mulher negra com seu corpo, cabelo, nariz, e cor de pele é uma de suas ferramentas mais peculiar e discreta. Começa na infância, período importante onde se desenvolve a autoestima e tudo o que acontece é internalizado e forma nossa visão sobre nós mesmos e o outro. A criança negra é submetida à exclusão, chacotas, piadas, e à ridicularização. Para a menina negra se acrescenta o peso do sexismo. A necessidade imposta de ser bonita, meiga e feminina aos 9 anos de idade. E o que é ser bonita, meiga e feminina numa sociedade racista e eurocêntrica? é estar dentro do padrão estético… branco. Como não se encaixa, a menina negra experimenta muito cedo o que é rejeitar o próprio corpo e, como muito bem disse Nátaly Neri no TEDxSãoPaulo Mulheres que Inspiram, passa a esperar pela “mulata” que se apresenta como salvação, mas quando não vem dói e quando vem dói ainda mais.

Para além da estética, o padrão de moral e inteligência também é excludente. O machismo somado ao racismo faz com que nosso potêncial seja desacreditado e pouco estimulado na escola e fora dela. Como consequência, não acreditamos em nós mesmas, não validamos nossas opiniões, nem creditamos nossas idéias por receio e medo. Insegurança, falta de confiança, uma vida de silenciamento sob o véu da inibição.
A falta de conhecimento sobre nossa história e representatividade midiática e em outros espaços sociais também contribuem para barrar nosso acesso a autoestima.

O desejo de pertencer ao que é visto como belo e aceito nos joga no processo de embranquecimento: alisar o cabelo, pó compacto dois tons mais claro, diminuir o contraste das fotos. Esse processo também nos afasta de pessoas como nós, e esse é o ponto forte dessa ferramenta do racismo que quero focar: ele coloca barreiras entre pessoas negras para que eu sinta todo o peso sozinha, e me culpe por isso. Chamo de karma, maldição, ou me sinto a escolhida do universo. Culpo a mim, e não ao racismo, por negar a mim mesma e a outra semelhante a mim.

Diante disso, é fácil entender porque raramente elogiamos pessoas negras.

Quando passo a ter contato com outras mulheres negras, percebo que nossas experiências se esbarram e se assemelham, e então tomo conhecimento do quão complexo é o racismo estrutural e entendo que a culpa não é minha.
Ter a consciência crítica do que é ser mulher negra num país pautado pelo racismo, machismo e sexismo e ainda assim reivindicar nossa identidade faz com que o resgate da autoestima da mulher negra atravesse o campo individual e se torne um ato político e de resistência. Nossas vivencias se encontram, e daí entendemos a necessidade de se apoiar uma na outra, a máxima de que no fim das contas se não fizermos por nós ninguém irá fazer é fato, e também se refere à nossa autoestima.

A elogie uma irmã negra surgiu da minha vivência conflituosa com minha autoestima até certo período, e da necessidade de conhecer minha história. É para mim um espaço muito pessoal, que compartilho por acreditar na irmandade, e no crescimento coletivo. Esse espaço propõe que façamos por nós o resgate, construção, desenvolvimento e manutenção da nossa autoestima estética e intelectual. Sabemos que é um processo diário e às vezes muito dificil. O elogie provém de atitudes simples como reconhecer-se na outra enquanto mulheres com vivências semelhantes [com suas devidas particularidades], fortalecer umas as outras em espaços de debates e/ou nos quais somos minorias, estender a mão e ajudar a outra quando possível, solidarizar, apoiar, e sim, elogiar. Para nos reconhecermos é essencial conhecermos nossa história para além das mentiras que nos foram contadas na escola, assim o conhecimento se torna outro pilar desse espaço. Buscar nossas raízes, ancestralidade e identidade é essencial para o povo negro, e fundamental para nossa luta.

Leia Também:

Vivendo de Amor

+ sobre o tema

As mulheres que ousam sair do armário (por Silvana Conti)

Enganam-se as pessoas que ainda pensam que nós, lésbicas...

Alexandra Loras: ‘É preciso educar racistas com empatia e paixão’

Alexandra Loras nasceu na periferia de Paris. Filha de...

Brasil é o 4º país que mais prende mulheres: 62% delas são negras

O sistema prisional brasileiro é um dos que mais...

Ministra Luiza Bairros diz que Governo estará em alerta para o racismo na Copa

A ministra Luiza Bairros, da Secretaria Nacional de Políticas...

para lembrar

Fórum Feminismos Negros

Junte-se a um espaço co-criado de múltiplos feminismos que...

Duas adolescentes são enforcadas depois de um estupro em grupo na Índia

A polícia prende um suspeito e busca outros quatro...

Barbie lança boneca em homenagem à primeira piloto de avião negra dos Estados Unidos

Bessie Coleman, uma corajosa jovem negra que se tornou...

A cada dia, pelo menos 18 meninas são estupradas no Brasil

Principal causa da gravidez precoce, o estupro está relacionado...
spot_imgspot_img

Pesquisa revela como racismo e transfobia afetam população trans negra

Uma pesquisa inovadora do Fórum Nacional de Travestis e Transexuais Negras e Negros (Fonatrans), intitulada "Travestilidades Negras", lança, nesta sexta-feira, 7/2, luz sobre as...

Aos 90 anos, Lélia Gonzalez se mantém viva enquanto militante e intelectual

Ainda me lembro do dia em que vi Lélia Gonzalez pela primeira vez. Foi em 1988, na sede do Instituto de Pesquisas das Culturas Negras (IPCN), órgão...

Legado de Lélia Gonzalez é tema de debates e mostra no CCBB-RJ

A atriz Zezé Motta nunca mais se esqueceu da primeira frase da filósofa e antropóloga Lélia Gonzalez, na aula inaugural de um curso sobre...
-+=