Sobre perdas e ganhos – Movimento Negro

Assim como vocês, ainda estou impactada e triste com a partida de Magno. Mas, de algum modo, também me sinto reconfortada com as homenagens que ele recebeu nas cerimônias de despedida. Espero poder compartilhar com vocês este sentimento.A ida a São Luís para o adeus a um amigo de tanto tempo me permitiu testemunhar as cenas mais lindas/emocionantes que já vi até hoje de respeito pela trajetória de um militante do Movimento Negro. E já perdemos várias/os do maior valor!

Na viagem de volta a Salvador, pensei muito no que disse José Correia Leite, sobre os tempos de militância na Frente Negra Brasileira. Sem mágoas, ele constatava que só tinha conseguido o reconhecimento, a confiança no trabalho que realizava na comunidade negra lá pelos anos 50, três décadas depois de ter se dedicado a inúmeras iniciativas de combate à discriminação e de organização dos negros na cidade de São
Paulo.

Para minha alegria, depois de tudo que vi, concluo que Magno pôde experimentar este reconhecimento ainda em vida. Só assim consigo explicar toda a mobilização causada por sua prematura partida. As manifestações que vi e que me foram contadas não poderiam ser improvisadas apenas em função de sentimentos que nos movem diante da morte de alguém. Não reproduziam o que muitos consideram ser um espasmo da influência cristã em nossa cultura. O que Magno recebeu dos maranhenses, ontem, dia 04 de agosto de 2010, foi fruto de algo mais profundo, reconhecido por todos ao longo de sua vida. Estou certa disso!

Era de se esperar que o Centro de Cultura Negra do Maranhão/CCN e o Akomabu estivessem presentes, como estiveram, desde que a doença se anunciou até o seu desfecho. Mas, além destas organizações, que Magno ajudou a criar e a se manter, também se mobilizaram, entre muitos outros, os quilombolas, os sindicalistas urbanitários, os movimentos pelos direitos humanos, os em defesa das crianças e das mulheres, as rádios comunitárias, o povo do reggae, do hip hop, da pastoral, os sanfoneiros. Todas as tribos lamentando igualmente, relembrando como Magno participou de lutas importantes seja enfrentando a repressão, escrevendo um cordel, um roteiro de programa de rádio, seja defendendo em reuniões e assembléias as posturas mais coerentes que acabavam por inibir qualquer tentativa de manipulação.

Também testemunharam como, muitas vezes, Magno “falava” bem alto com o seu silêncio.

Mas, não apenas os politicamente organizados participaram das despedidas. Talvez por intuírem que eu não era de São Luís, ao longo do cortejo, alguns se aproximaram para contar como tinham sido ajudados por Magno e sua família no enfrentamento de dramas pessoais.

Estes indivíduos souberam da noticia pela TV. Nem a afiliada local da rede Globo pôde ignorar tamanha perda, tendo, na seqüência, que levar ao ar uma matéria sobre o sepultamento!

Para mim, o momento também foi de conhecer a família de Magno, da qual ele tanto se orgulhava e na qual era super presente, ao contrário do que ocorre com muitos militantes homens. Foi de reencontrar a antiga militância do Maranhão, que colocou o Movimento Negro no caminho das lutas quilombolas, que sustentou a idéia dos Encontros de Negros do Norte e Nordeste e, felizmente, continua se renovando.

magno_cruz_1

Trocamos muitas promessas de nos procurar mais, de saber mais umas das outras, para além dos compromissos que sempre utilizamos como desculpa. Escondido em algum lugar, o sentimento de que fazemos parte de uma geração que está desaparecendo fisicamente. E desaparecendo cedo demais, no auge da maturidade!

Para quem considera que o Movimento Negro não produziu líderes no Brasil, ficam aqui estes pedaços de pensamento que, espero, nos ajudem a saber: de que matéria é feita uma liderança, nas condições em que se desenvolvem as nossas lutas?

Aprendemos com o CCN uma música cujo refrão pergunta Que bandeira é aquela?

E responde É Luther King, é Zumbi, Nelson Mandela. Que se dane a métrica, a resposta tem que ser É Magno Cruz, é Luther King, é Zumbi, Nelson Mandela.

Luiza Bairros
Salvador, 05 de agosto de 2010.

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