Quando a atriz estadunidense Gwyneth Paltrow foi considerada a mulher mais bonita do Planeta, no ano 2013, pela Revista People, não vi nenhum comentário do tipo “há mulheres brancas mais bonitas que ela”.
Particularmente, considero uma perversidade, machista e contraproducente, quaisquer tipos de rotulagens ou hierarquização de mulheres. Contudo, comemorei, comemoro e comemorarei a visibilidade alcançada por Lupita Nyong’o.
Celebro este fato, mesmo que pontual e efêmero, pelo simbolismo histórico que contém, pois autoriza – e impõe- a existência da beleza da mulher negra, no mundo da beleza.
A representatividade é fundamental para a construção da identidade étnico-racial e da autoestima. Quando uma grande marca mundial de cosméticos femininos estampar, em revistas, outdoors, anúncios e comerciais, o rosto de uma negra isso dirá, para milhões de outras mulheres, que somos como Lupita. E somos lindas.
Enquanto negra que sou, considero este acontecimento altamente importante e significativo. Sobretudo, por ser brasileira e viver em um país que, no ano de 2009, tinha sua população constituída por um quarto de negras, o correspondente a 50 milhões de mulheres, segundo dados do IPEA, disponíveis no estudo Dossiê Mulheres Negras, lançado em dezembro de 2013.
Mesmo sendo a maioria, relativa e absoluta, na população feminina, nunca, nenhuma negra foi apresentadora de programas infantis ou de auditório, na TV brasileira. Nenhuma destas 50 milhões de mulheres negras, neste país, teve sua beleza reconhecida nas passarelas como uma importante modelo, por exemplo.
Se pensarmos em ocupação de espaços de poder, verificamos que apenas uma mulher negra foi governadora, nesta grande nação. E, mesmo assim, interinamente, por dois anos. Nem mesmo na região norte, onde somamos 74,7% da população feminina, ou no nordeste, onde somos 69,9%, tivemos uma mandatária negra.
Em âmbito nacional, quantas negras ocuparam cadeiras no Senado ou no Supremo Tribunal Federal, nesses 126 anos de República?
A beleza de um quarto da população brasileira nunca foi considerada: nem como padrão e, menos ainda, como beleza. Ao contrário, a estereotipia tupiniquim é absolutamente europeia, ao estilo Xuxa, Gisele Bündchen, Angélica, Ana Hickmann.
A herança socioeconômica que moldou nossos padrões culturais e valorativos relegou às negras a condição de cidadãs de segunda classe: sustentam sozinhas 51,1% das famílias chefiadas por mulheres; recebem apenas 51% da remuneração percebidas pelas brancas e a renda familiar, em 69% desses casos, é inferior ao salário mínimo.
Mais que isso, sentenciou a mulher negra a uma subumanidade: à coisificação impiedosa, à erotização, à submissão, à solidão. Retirou, de nós, o direito à afetividade e nos destinou apenas ao sexo. Nossa beleza não é valorizada, nossas conquistas são inferiorizadas, nossos cabelos são duros, nossos narizes e bocas, feios. Quando bonitas, “nem parecemos negras”.
A beleza negra de Lupita nos diz, a todas nós, mulheres negras, que somos bonitas. Que nossos cabelos, rostos e corpos são bonitos.
Essa formação imagética de nossa autoestima é determinante para a construção identitária de nossas crianças, jovens e idosas. Mas não somente para nós, negras. Diz, ao conjunto da humanidade, que há diversidade e que é preciso haver igualdade.
Minha referência de negritude, quando adolescente, foi o Michel Jackson, só depois conheci a Glória Maria. Minha sobrinha Sophia, que tem quatro anos, crescerá entendendo ser como Lupita: Diva e linda.
*Luciana Soares é militante do feminismo negro. Estudou Direito, graduou-se Gestora Pública. Atualmente, é estudante cotista da Universidade de Brasília – UNB e pós-graduanda em especialização de Gerência de Projetos, pelo IESB.