Sonhe menos em 2014

por Fernanda Pompeu

Sonho não concretizado é leite que azeda, manteiga que rança, avião que cai. É plantio de expectativas e colheita de frustrações. Seu maior defeito é não abrir espaço para o fracasso. Ignorar que em dez tentativas podemos não acertar nenhuma.

É claro que não estou me referindo a todos os sonhos. Falo daqueles pré-fabricados, pré-moldados. Sonhos sonhados pela mídia. Aqueles que se confundem com idealizações, que já nascem para dar errado. Pior, fazem o sonhador – depois de horas de bravias braçadas – morrer na praia.

Idealizar chama o desastre. Esperar pela companheira ou companheiro perfeitos. Vestir uma camisa que se colará à pele. Confundir ponto de vista com o ápice da verdade. Acreditar-se seguro num planeta que gira. Escrever sem saber a gramática.

Fantasiar é carro sem estrada. Panela sem comida. Roupa sem corpo. Saudade sem passado. Sábado sem domingo. Idealização e fantasia brecam nosso crescimento pessoal. Em doses altas, fazem com que a gente enxergue a versão, mas não o fato.

Antes que fundamentalistas idílicos me apedrejem pelo crime de pessimismo, deixa eu me defender. Deixa eu dizer que existe sonho bom sim. Aquele que é transformador, que torna cada um de nós um visionário. Sonho sonhado com olhos fechados, mas realizado com olhos arregalados.

Não importa o tamanho. Ser um segundo Steve Jobs é fantasia. Ser um profissional nota 10, ou uma empreendedora competente é real. Sonho bom não tem a ver com fama, nem com muito dinheiro. Tem a ver com a capacidade de realizar uma ideia, um projeto, um produto, um gesto. Retirá-los da bruma da idealização para o sol das calçadas.

Sonho bom é fazeção. Também é aquele que a gente compartilha, potencializando sentidos para além do original. Sai da nossa cabeça para ser recriado e aperfeiçoado em outras. Ele é resultado de estudos, ensaios, mangas arregaçadas, pestanas queimadas, frases escritas.

Que em 2014, a gente sonhe menos e faça mais. Não é ruim viver sem ilusões. O sentimento da falta, da imperfeição, do não acabado é empurrão forte para nossas conquistas. O mundo é pão-pão, queijo-queijo. E poesia, quando a fazemos.

Imagem: Régine Ferrandis a partir de obra de Toni Ribeiro.

 

 

Fonte: Yahoo

+ sobre o tema

para lembrar

Caminhos para Exu celebra resistência dos povos de terreiro no DF

Mais de uma centena de praticantes e simpatizantes das...

Cineastas negras reivindicam mais ações afirmativas para audiovisual

A Associação de Profissionais do Audiovisual Negro (Apan) promoveu nesta...

APAN participa de audiência pública para debater futuro das políticas afirmativas no audiovisual

No próximo dia 3 de setembro, quarta-feira, a Associação...

Condenação da Volks por trabalho escravo é histórica, diz procurador

A condenação da multinacional do setor automobilístico Volkswagen por...

Relator da ONU critica Brasil por devolver doméstica escravizada ao patrão

O relator especial da ONU para formas contemporâneas de escravidão Tomoya Obokata afirmou estar "alarmado" com o fato de o Poder Judiciário brasileiro ter...

Quilombo de Itararé: herança de forças e histórias de 26 famílias ecoam em cada canteiro

Na Fazenda Silvério, em Itararé (SP), a terra vermelha não guarda apenas hortaliças e grãos: ali resistem memórias que atravessam séculos. A comunidade é formada...

ECA Digital

O que parecia impossível aconteceu. Nesta semana, a polarização visceral cedeu e os deputados federais deram uma pausa na defesa de seus próprios interesses...