Ela senta do meu lado, no banco do ponto de ônibus, e pergunta:
por Arísia Barros No Mama Terra
– Não é a senhora aquela dona que apareceu no jornal da televisão falando sobre a morte de negros?
Sim- respondi- sou eu. E fico matutando sobre o poder massificador da mídia.
Ela vai falando sem reticências:- Eu sei do que a senhora fala, mataram meu filho e quase ninguém chorou pela morte dele. Eu que sou a mãe, sei a falta que ele vai fazer na minha vida. Era o meu único filho homem, dona. A polícia diz que ele era traficante, mas, eu disse e continuo dizendo que isso é mentira.
Meu menino era trabalhador, me ajudava com os irmãos e estudava a noite e quando aescola não estava em greve, não perdia uma aula. Precisava ver que letra bonita ele tinha.
Era cheio de sonhos, o meu menino, queria ser advogado. Dizia que ia defender-de graça- todos os pobres da grota que a gente mora.
Lá na grota falta tudo, Dona, água, muitas vezes falta comida e quase sempre falta sossego, quando a gente fica sem as coisas para dar os filhos o juízo queima e dá uma agonia… Aí quando meu filho me via aperreada arrumava uns bicos, além do trabalho de entregador: limpava chão, recolhia lixo só para arrumar uns trocados e me vê feliz.
Toda vizinhança conhecia meu filho e pode falar a mesma coisa dele.
Era um menino de ouro, o homem da casa, e agora sou mãe de um filho morto.
Mataram meu filho, Dona, porque ele era preto e morava na Grota, até tapa na cara levou e depois encherem de tiro.
Interrompo o desabafo-relâmpago e pergunto-lhe: Quantos anos tinha seu filho?
– Ia fazer 14 agora em maio- responde.
As lágrimas secas transbordavam no tremor da voz daquela senhora, que após o desabafo, apressou-se- enxugando as lágrimas com as costas das mãos- para apanhar o coletivo que a levaria à casa. Deu-me um ligeiro aceno e partiu.
A máquina genocida em Alagoas continua moendo os corpos invisíveis dos pretos, preferencialmente nas senzalas urbanas!
O racismo aprisiona. O racismo fere. O racismo mata.
Sou mãe de filho morto, dona!