SP precisa explicar os erros de sua política de segurança pública

Jacqueline Sinhoretto 

Os números alarmantes da letalidade policial precisam ser melhor estudados por relatórios independentes e por pesquisadores. Mas o mais importante é que eles sejam explicados pela Polícia Militar e pela Secretaria de Segurança Pública, pois eles devem ao público transparência e compromisso. É preciso que o Comando da PM, a SSP e o Governo do Estado de São Paulo expliquem porque aumentaram os confrontos com mortos nas atuações policiais. E expliquem o que está dando errado nas operações policiais para que elas estejam fugindo tanto ao controle e produzindo resultados indesejados com tanta frequência.

Não obstante, as declarações do governador e o próprio discurso da PM indicam que o crescimento do número de mortos está ligado a uma política de segurança que aposta no confronto violento, ao invés de apostar em investigação e inteligência para realizar o controle do crime. Entrevistas concedidas por policiais civis aos pesquisadores da UFSCar têm abordado a sensação de desprestígio que a polícia investigativa sente diante da gestão Alckmin. Alguns usaram a expressão “sucateamento da Polícia Civil”. Eles percebem um privilégio à PM para atuar em procedimentos sigilosos promovidos em parceria com setores do Ministério Público, atuando num modelo de investigação pouco democrático e com objetivos não muito esclarecidos.

A outra face desta política de suposta repressão ao crime a qualquer custo é a morte desenfreada de jovens negros. A justificativa oferecida pelos policiais para estas mortes é o combate ao crime e à agressão sofrida pelos policiais. Mas é muito difícil para nós acreditar que as polícias de São Paulo estejam tão despreparadas para realizar o controle do crime a ponto de realmente estarem trocando tiros a esmo nas ruas. Se estão fazendo isto, estão errando duplamente. O crime organizado é altamente hierarquizado, com estruturas organizacionais e financeiras bastante sofisticadas e não é trocando tiro na rua que se irá controlar suas atividades com eficiência. O outro erro é a violência que esta forma de combate produz para a sociedade como um todo, incluindo jovens com menos 20 anos, incluindo os policiais e suas famílias, que ficam vulneráveis a ações de revide.

Esta política de confronto está amparada numa concepção de segurança pública enviesada e antidemocrática, pois supõe que seja legítimo matar uma parcela da população com a suposta justificativa de preservar a segurança de outra parcela. Além de ser inaceitável esta concepção numa sociedade democrática, ela é ineficiente para este objetivo declarado, pois o crescimento do número de confrontos com a polícia não reduziu o número de roubos praticados e não enfraqueceu as estruturas financeiras do tráfico de drogas. Ou seja, não é verdade que quando a polícia mata mais pessoas a sociedade fica mais segura.

O outro efeito nefasto da alarmante letalidade policial é a destruição da legitimidade da ação da polícia junto a grandes parcelas da população. Os jovens da periferia desconfiam da ação da polícia e sentem medo quando a polícia está presente. A presença da polícia é fator de insegurança para os jovens negros da periferia, contrariando todas as nossas crenças de que a presença da polícia transmita a sensação de segurança. O descrédito na polícia é muito negativo para a ordem democrática, pois reforça a legitimidade de soluções fora da lei, incluindo a administração de conflitos por agentes vinculados ao crime e a violência cometida com as próprias mãos. Um dos reflexos desta descrença é hoje o apoio, legítimo, dos jovens à extinção da polícia militar e a adesão à bandeira da desmilitarização.

Jacqueline Sinhoretto, 40, professora do Departamento de Sociologia da UFSCar, líder do Grupo de Estudos sobre Violência e Administração de Conflitos-GEVAC

Fonte: Ponte

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