John Mayer, Brad Pitt, Jimmy Fallon e José Mayer comprovam que basta ser um homem branco e famoso para ser perdoado por seus erros
por Luíze Bello no HuffPost Brasil
Os fatos desapontam, mas não surpreendem. Descobri pelo Facebook que o cantor John Mayer divulgou datas de show aqui no Brasil. Muitos dos meus amigos são fãs do cantor e, logo, a minha linha do tempo estava abarrotada de pessoas comemorativamente compartilhando a notícia.
Minha mente foi imediatamente transportada às declarações do cantor feitas em 2010 para a revista Playboy, sobre o seu pênis “ser um supremacista branco” e não funcionar com mulheres negras. Este cara é um racista daqueles.
Fiz um post me dizendo nostálgica para relembrar meus amigos dessa pataquada. Àquela época, John já havia dito uma dezena de coisas absurdas, mas essa foi um marco na sua carreira, apesar de ele não ter perdido nenhum contrato.
O pior que aconteceu a ele foi ter sido banido do programa da Oprah. De resto, ele apenas foi alvo de um escracho virtual. E decidiu por vontade própria e, posteriormente por problemas de saúde, passar um tempo longe dos holofotes.
Entretanto, sua imagem ficou manchada e John Mayer sabe muito bem que essa história seria resgatada a cada nova aparição pública. Quando uma celebridade vacila desse jeito, não adianta se esquivar: quando mais ele ou ela evitarem o assunto, mais se falará sobre ele.
É por isso que, à época do lançamento de seus novos álbuns desde aquele fatídico dia, o cantor “abre o coração” para uma nova publicação de grandessíssima circulação sobre ser um “homem mudado”. Aconteceu com a Rolling Stones em 2013, com a matéria Os arrependimentos de John Mayer, na divulgação de Paradise Valley, e neste ano com o New York Times, em um longo perfil do cantor entitulado “John Mayer sabe que vacilou. Ele quer uma segunda chance.”
No artigo, John tem a vasta possibilidade de pintar-se como uma vítima de sua própria imaturidade. Mas, em teoria, já havia refletido sobre seus atos e afirmado arrependimento em 2013 para a Rolling Stones. Esta não é uma jornada de perdão e resolução, mas de marketing, pois Mayer comercializou seus dois últimos álbuns inserindo-os na narrativa de sua introspecção após a crise de 2010.
Como ele tem certeza de que o seu público tão cedo não esquecerá do que aconteceu, especialmente no contexto atual que é bem mais intenso que o daquela época, ele se adianta a sequestrar as discussões focando-as no fato de que é um homem regenerado.
A supremacia branca a que John associou seu pênis é o que legitima esse tipo de comportamento, aliada, obviamente, ao seu gênero. Ele não foi o primeiro e nem será o último homem famoso a se usar desta artimanha.
Os meios de comunicação possuem um longo histórico de dar cartaz para homens de comportamento abjeto, especialmente os brancos. Não importa quão grave sejam seus crimes e declarações: assessorando direitinho, todo mundo passa como vítima – seja de um grande estresse, imaturidade, um problema com bebidas alcóolicas…
Muita gente fala sobre como o feminismo também pode ajudar os homens porque isso vai ajudá-los a expressar seus sentimentos. Mas as pessoas esquecem que, com o recorte de classe e cor adequados, eles já se beneficiam disso e de maneira muitíssimo romantizada. Sem contar que raiva, angústia e violência também são emoções, ainda que tradicionalmente associadas a homens.
Brad Pitt, que saiu queimado em seu divórcio após acusações de ter agido com violência, contou em “entrevista íntima” para a GQ sobre como está lutando para se tornar um homem melhor. Jimmy Fallon, que caiu da glória dos talk shows noturnos dos EUA após receber o então candidato à presidência Donald Trump e ainda tratá-lo afavelmente durante a entrevista (ele foi acusado de humanizar um fascista – o que é verdade), ganhou uma extensa matéria do New York Times analisando sua jornada desde então e se colocando como um pobre comediante de puro coração que deseja apenas agradar as pessoas. Até mesmo Zé Mayer, aqui no Brasil, teve sua carta de defesa, na qual admite seu erro após ter assediado a figurinista Su Tonani em seu ambiente de trabalho, mas coloca a culpa em sua geração.
Eu não estou dizendo que as pessoas não se arrependem e não merecem segundas chances, so digo que os meios de comunicação têm uma forte tendência a somente conceder essa benevolência a homens brancos famosos. E eles fazem excelente uso da mesma, muito obrigado.
A carreira de qualquer celebridade é uma produção em si mesma – atores, cantores e qualquer pessoa que queira fazer sucesso no show business precisa se manter relevante, especialmente quando não estão trabalhando em nenhum projeto. É preciso ter uma imagem que os estúdios e gravadoras queiram comprar.
E, para esses homens, a regra é simples: caso se vejam envolvidos em um escândalo grande demais para negar efusivamente, adotar a postura de filhotinho perdido de alma sensível, profunda, complexa e conturbada é uma saída absolutamente vendável.
John Mayer tinha 33 anos quando proferiu insultos racistas. Brad Pitt atualmente tem 53 anos e seu divórcio começou há poucos meses. Jimmy Fallon tem cara de e age como um garoto, mas tem 42 anos. José Mayer está há 3 anos de sua sétima década de vida. Eram todos adultos, muito adultos, quando se envolveram nos maiores escândalos de suas carreiras. É como se a ideia de que homens demoram mais para amadurecer não tivesse um prazo de validade para esses caras.
Contanto que você seja branco e famoso, pode cometer os mais graves erros até a velhice: qualquer justificativa para os seus atos será aceita caso venha embalada em um artigo sentimentalóide. A gente sabe que nossa sociedade está doente quando mulheres são levadas a se sentirem responsáveis pelas violências que sofrem, mas os homens não se responsabilizam pela violência que cometem.
Assumir um erro é simples, mas demanda humildade e isso está em falta. Não se trata de pedir desculpas somente a quem se ofendeu, mas a todo o grupo ofendido. Nem de transformar essa jornada em algo pessoal, mas de aproveitar a oportunidade não para gerar pena e, sim, no mínimo, conscientização sobre a causa.
A mim pouco importa que John Mayer se sinta imaturo depois dos 30 – ele apenas desperdiça todas as chances que têm de tirar o foco de si e colocar sobre o grupo que feriu com suas palavras, por exemplo. E isso, obviamente, é o show business, é mesmo algo insincero.
Se fosse verdadeiro, haveria saídas bem melhores. Talvez fazer uma doação generosa ao grupo Black Lives Matter, por exemplo, que luta por liberdade e justiça para os negros nos Estados Unidos. Ou de alguma outra forma usar sua fama para dar visibilidade a causas que são maiores que seus demônios pessoais – não tenho grandes ideias, mas se ele tivesse interesse em fazer algo pela comunidade negra e verdadeiramente se aproximasse de ativistas com essa intenção, certamente eles teriam excelentes sugestões. Não pode ser apenas sobre pedir desculpas, mas ativamente reparar danos.
Porém, na ausência de qualquer interesse real desse tipo de abordagem, podem me chamar de mesquinha, mas me folgo em saber que, nos últimos anos, as coisas já mudaram um pouco e casos como o de John Mayer acontecendo hoje têm um destino bem pior.
O que aconteceu recentemente com a banda PWR BTTM é um exemplo disso. Em um intervalo de cinco dias, foram do céu ao inferno após o vocalista ser acusado de estupro nas redes. Na semana de lançamento do seu segundo álbum, que prometia levar a banda queer para o estrelato definitivo, acusações de que Ben Hopkins teria abusado sexualmente de uma estudante universitária levaram a uma debandada geral não apenas de fãs, mas também da gravadora e de todos as casas de show da turnê do disco – tudo isso em apenas cinco dias, contando da data em que a denúncia foi feita no Facebook.
Ou seja, nem foi necessário envolver a polícia: a simples possibilidade de ter seu nome envolvido com um artista sob acusações plausíveis de estupro foi suficiente para que investidores se afastassem deles como o diabo da cruz. Talvez se Mayer dissesse hoje o que disse em 2010, teria sofrido consequências mais condizentes com a gravidade do que ele disse.