Talvez seria mais valorizado no meu país se fosse branco, diz Hamilton

Para britânico, visão sobre seus feitos poderia ser diferente na Inglaterra

Por Luciano Trindade, da Folha de São Paulo

Lewis Hamilton acumula seis títulos da F-1 – Amanda Perobelli/Reuters

Seis vezes campeão da F-1, Lewis Hamilton disse que “talvez” tivesse um reconhecimento maior em seu país se fosse branco. Único piloto negro da categoria, o britânico de 34 anos desembarcou em São Paulo já com o título de 2019 assegurado e discutiu brevemente a questão racial na Inglaterra.

“Eu não corro por reconhecimento, não é isso o que me impulsiona, não procuro pensar nesse fato. Talvez as coisas fossem diferentes se eu fosse branco, mas, no fim das contas, prefiro me concentrar nas coisas positivas”, disse o inglês.

Em seu país, no entanto, Hamilton já teve o seu patriotismo questionado. Em julho deste ano, durante o GP da Inglaterra, ele foi perguntado sobre supostamente não ter um sotaque britânico e pela decisão de morar em Mônaco.

Na ocasião, o piloto reafirmou o amor pela Inglaterra. “Eu vou a todas essas corridas e levanto a bandeira britânica com orgulho. Não há mais ninguém neste esporte que a tenha elevado tanto.”

Já durante o GP do México, no final de outubro, o chefe da equipe Mercedes, Toto Wolf, relembrou que o inglês sofreu ataques racistas durante sua infância. “Quando Lewis era mais novo, ele era a única criança negra no meio das crianças brancas, e eu sei que ele sofreu ataques raciais”, falou o dirigente.

Em seu 13º GP Brasil de F-1,​ o inglês diz que não vê problemas de reconhecimento no Brasil.

“Amo todas as vezes em que venho ao Brasil. Sinto que os brasileiros estão gostando cada vez mais de mim”, afirmou. “Vejo famílias de diferentes etnias, diferentes origens, vindo até mim e dizendo: ‘Meu filho quer ser um piloto’. Isso é ótimo, mas existe um problema. A cada ano, fica mais caro”, acrescentou.

Crítico do alto custo ligado ao automobilismo, Hamilton vê o esporte mais caro atualmente do que era quando deu nele seus primeiros passos. De acordo com o piloto, é preciso rever algumas das diretrizes.

“Se eu voltasse no tempo e tivesse que começar tudo hoje, talvez não chegasse à F-1. O esporte está ficando mais caro e caminhando na direção errada. Vindo de uma família de classe média, não me imaginaria na F-1”, disse.

“Quero me engajar com a FIA [Federação Internacional de Automobilismo] e com a F-1 para facilitar o acesso aos mais jovens. Deveríamos trabalhar com essa perspectiva. Toda criança pode sair chutando uma bola, mas nem todas podem comprar um kart. Exige um investimento, mas não deveria ser tanto”, opinou o campeão.

Hamilton também se mostrou crítico a uma possível mudança do GP de Interlagos, em São Paulo, para um autódromo a ser construído em Deodoro, no Rio de Janeiro —o contrato da F-1 com a capital paulista termina em 2020. O diretor-geral da F-1, Chase Carey tem negociado com promotores das duas cidades.

Em junho deste ano, o presidente Jair Bolsonaro chegou a afirmar que havia 99% de chances de a F-1 ir para a capital carioca.

Para o Hamilton, o dinheiro que seria gasto na construção de uma nova pista deveria ser investido em educação. Ele também disse estar preocupado com as questões ambientais envolvidas na futura obra.

“É a primeira vez que ouço sobre a corrida no Rio. Eu acho, sinceramente, que tem muito dinheiro envolvido na construção desses circuitos. Já temos um autódromo histórico aqui, não precisa derrubar árvores, destruir mais território”, afirmou o hexacampeão.

Para ele, esse investimento deveria ser destinado à educação. “Acho que o dinheiro pode ir para algo melhor, o governo pode investir nas cidades. Se fosse meu dinheiro, colocaria em coisa melhor. Educação é muito importante. No meu time, temos vários engenheiros novos, mas poucos do Brasil. Deveríamos ter mais”, acrescentou.

A construção de um autódromo em Deodoro, orçado em R$ 697 milhões, investimento que deve partir da iniciativa privada, pode resultar na derrubada de cerca de 180 mil das 200 mil árvores espalhadas pela floresta do Camboatá, na zona oeste do Rio de Janeiro.

A área total da floresta é de 201 hectares. Desses, 169 hectares comportam vegetação arbórea, segundo relatório realizado pela Diretoria de Pesquisas Científicas do Jardim Botânico do Rio de Janeiro a pedido do Ministério Público Federal (MPF). Boa parte dessa área seria afetada pela construção do circuito.

“Não aprovo isso. Temos um país muito bonito aqui, uma floresta importante para o nosso futuro. Temos que focar mais no meio-ambiente. Amo o Rio, gostaria de passar mais tempo lá, mas não quero correr em um circuito que prejudicou o meio-ambiente, uma terra tão bonita para o nosso futuro”, criticou Hamilton.

O inglês ainda cobrou que as pessoas envolvidas tenham maior consciência sobre os problemas climáticos.

“Precisamos pensar no futuro da nossa geração, que fica pior a cada ano. As mudanças climáticas estão piores a cada ano. Existem muitas áreas que precisamos atacar, esta é uma delas. Disseram-me que destroem um algo do tamanho de um campo de futebol na floresta a cada dia”, lamentou o piloto.

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