Teresa Cristina reúne fãs todas as noites para cantar, conversar e paquerar

Cantora faz lives diariamente e atrai centenas de pessoas, incluindo Anitta, Conceição Evaristo e Maria Ribeiro

Em meados de março, Teresa Cristina decidiu fazer sua primeira live nas redes sociais. Agora, a cantora e o público se acostumaram com o encontro diário, um novo hábito, como o uso de máscaras e lavar pacotes de arroz na chegada do mercado.

As apresentações começam já tarde da noite e, por vezes, invadem a madrugada, atraindo centenas de fãs, anônimos e famosos, como a atriz Maria Ribeiro, a escritora Conceição Evaristo e as cantoras Simone e Anitta. Enquanto o “Big Brother Brasil” estava no ar, Teresa Cristina começava a cantar só depois do reality, e o horário se manteve.

“Eu comecei a ficar com um quadro muito próximo do de depressão, muito preocupada com a saúde da minha mãe, que é grupo de risco, e com a falta de trabalho, pois vivo de fazer show. Botar a cabeça no travesseiro e dormir é muito difícil”, diz a cantora.

Como numa roda de samba ou num show em bar, grupos de amigos começaram a se formar nas redes sociais em torno das lives. O Cristiners é uma espécie de “after” misturado com fã-clube, reunindo o público em grupo de mensagens para dar continuidade aos assuntos que rolaram na noite. Já o CrisTinder, como dá para imaginar pelo nome, é um grupo de paquera que se constituiu após perceberem que o flerte rolava solto nos comentários das lives.

Teresa Cristina em show no Theatro Net Rio, no Rio dee Janeiro, em 2019, durante gravação do DVD (Foto: Marcos Hermes)

As apresentações, conta Teresa, rindo, têm até um porteiro –Felipe, um dos fãs mais assíduos, vai avisando quem está chegando na festa, no caso de Teresa ter perdido o aviso de entrada de uma visita importante. Depois de muitas brincadeiras de que Anitta estaria presente, chegou o dia em que a funkeira era mesmo uma das espectadoras. Mas como em “Pedro e o Lobo”, Teresa já não acreditou. Depois da live, foi ao perfil oficial da funkeira se desculpar.

Além de cantar, a carioca conversa com os que acompanham a apresentação, conta histórias de compositores, comenta suas relações com as canções, e fala de assuntos, digamos, mais sérios, como racismo, machismo e a política brasileira.

“O mundo todo está passando por um problema, mas nós temos um presidente que também é nosso inimigo, e ficamos muito vulneráveis”, diz ela, que costuma tecer críticas a Bolsonaro em suas lives. “Fico muito preocupada. Sou suburbana, e no subúrbio é onde as pessoas são mais desinformadas, elas veem o discurso de desinformação que ele faz, e isso me dá medo.”

Como artista, Teresa nunca teve medo de se posicionar politicamente. “Falo de política nas minhas redes porque eu tento ser responsável com meus seguidores. Falar das atitudes burras e inconsequentes de Bolsonaro já não é mais uma questão política, mas de sobrevivência, porque ele está empurrando para a morte inclusive quem apoia o que ele fala”, diz.

Na visão dela, não é normal um artista se calar quanto a temas espinhosos. “Artistas e silêncio não coexistem, a menos que seja a Marina Abramovic”, brinca Teresa, lembrando a meditativa performer sérvia. “Mas o silêncio dela é uma ação política e artística. Eu já nasci mulher, preta e suburbana, as pessoas acham que eu não devo ter voz.”

As lives são o momento do dia em que a cantora consegue dar um tempo de preocupações. “Percebi que era a hora do dia que eu tinha mais leveza, mais descontração. É quando me curo dessa sandice toda”, diz ela de sua casa na Vila da Penha, na zona norte carioca, bairro onde cresceu. Hoje ela mora com a mãe, a dona Hilda, de 80 anos, e a filha, de 11.

Teresa começou a cantar em 1998, num bar da Lapa, depois de redescobrir a música brasileira, já na faculdade. Ela trabalhava como manicure quando, em 1988, entrou no curso de literatura inglesa na Universidade do Estado do Rio de Janeiro, a Uerj. A jovem que ouvia muita música negra americana havia se apaixonado, conta ela, pelo rock pesado, e queria ser a intérprete de bandas como Iron Maiden e Van Halen quando viessem ao Brasil.

Foi na universidade, onde entrou se achando feia e sem entender o racismo, que Teresa mudou. “A Uerj me deu cultura e posicionamento político; saí de lá outra pessoa”, diz ela, que fez parte do movimento estudantil e deixou o trabalho de manicure e vendedora para virar secretária do diretório central dos estudantes da universidade.

Show da cantora Teresa Cristina no palco São João na Virada Cultural de 2016 (Foto: Fabio Braga/ Folhapress)

“Entrei americanizada, lendo Joyce, Faulkner, Fitzgerald”, relembra. Ela resolveu então mudar para o curso de literatura brasileira. “Foi aí que fui me encontrando aos pouquinhos, me envolvendo com o Brasil de Machado de Assis.” Ao ler “Casa-Grande & Senzala”, e ao discordar de algumas maneiras como Gilberto Freyre retrata o negro, Teresa começou a compor.

Na rádio comunitária da faculdade, Teresa, vascaína roxa, apresentava um programa de esportes comandado por mulheres e outros dois de música. Foi ali que um colega emprestou a ela um disco de Candeia. Ao ouvir, Teresa teve uma epifania –conhecia aquelas músicas, tocadas em disco pelo pai quando ela era criança, mas então desprezadas.

“Candeia sempre exaltou o negro e a arte negra. Eu sofria muita injúria racial na escola quando criança, ouvia aquilo com meu pai e pensava ‘esse cara é maluco de falar que ser negro é bom’. Entendi o meu lugar de mulher negra com a obra de Candeia, ele me trouxe esse olhar para mim com força e gratidão”, diz.

Teresa, sem nunca ter cantado em público, ficou então com a ideia de dar um presente ao pai, fazer um show cantando as músicas de Candeia. Começou então a era DC da vida da cantora –ela diz que sua vida é dividida em AC, ou antes de Candeia, e DC. Foi pesquisando a música do sambista carioca morto em 1978 que ela conheceu outros sambistas, a Portela, Paulinho da Viola, Elton Medeiros e começou sua carreira.

Cantando na Lapa, o bairro boêmio do Rio, Teresa lotava o bar e as calçadas. Mais de 20 anos depois, volta a cantar com pouca estrutura, só ela e a câmera do celular para a live. “Estou literalmente cantando no chuveiro. Canto canções que tinha medo de cantar, não me cobro tanto. Eu me desnudei, como naquele programa ‘Largados e Pelados’ [reality show em que pessoas são largadas na selva sem roupas], e não me levo tão a sério”, diz.

A preocupação de Teresa fora das lives não é só com sua família, mas também, e sobretudo, com os trabalhadores anônimos da cultura. “Com todo o mercado de trabalho em torno da roda de samba”, diz, “com os trabalhadores que dependiam daquela noite para levar dinheiro para casa”.

Além das lives diárias no Instagram, Teresa Cristina também faz lives semanais com sua mãe no YouTube. Hilda, que já teve canção de sua autoria gravada por Beth Carvalho, sempre teve o sonho de ser cantora, desejo que realizou quando passou a se apresentar, desde a época da Lapa, ao lado da filha.

Neste domingo, Dia das Mães, porém, a concorrência está acirrada. Com Roberto Carlos e Zeca Pagodinho agendados, Teresa e Hilda vão alterar o horário de seu cantar. A rainha das lives também acompanha as apresentações de outros músicos. “Fui ver a live do Péricles e cheguei na minha bêbada”, conta. “Já imaginou como a gente vai sair da live do Zeca?”

Os fãs pedem que o fim do isolamento não seja o fim das lives da cantora. Ela já não sabe mais se será capaz de parar. “Vou ter de entrar no Viciados em Lives Anônimos”, brinca.

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