Quando a pandemia de Covid-19 fez a primeira vítima fatal em São Paulo, dia 16 de março, era evidente que o país enfrentaria cenários devastadores na saúde, na economia, nas condições sociais. O ministro da Saúde era Luiz Henrique Mandetta e parecia haver consenso sobre a necessidade de convergência entre os Poderes para enfrentar a tempestade. Mas no Brasil de Jair Bolsonaro, o que é ruim pode piorar. Expressa geometricamente, a crise brasileira é um tetraedro. Para quem não ligou o nome à figura, trata-se de uma pirâmide de quatro faces: uma, a hecatombe sanitária que já contaminou um milhão de pessoas e tirou a vida de 47 mil; outra, a derrocada econômica; a terceira, a galopante vulnerabilidade social; por fim, a instabilidade política que mantém a democracia em suspensão.
Um presidente empenhado em boicotar recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS) no combate ao coronavírus, confundir a sociedade com vaivém de informações e, sobretudo, tensionar relações com Judiciário, líderes do Legislativo, governadores e prefeitos não alinhados é o que o Brasil tem. Sem falar na teia de investigações policiais que envolvem a primeira-família e seus aliados.
Em meio à tragédia sanitária, dois ministros da Saúde deixaram o cargo. A gestão interina, militarizada, se estende há mais de mês e foi impedida pelo STF de solapar números da pandemia. Com aulas interrompidas, o Ministério da Educação ficou oficialmente acéfalo. O ex-titular, no derradeiro ato, derrubou portaria que recomendava acesso por cotas em cursos de pós-graduação a negros, indígenas e pessoas com deficiência. Destruição do início ao fim. Avesso da cordialidade, Abraham Weintraub foi indicado para uma diretoria de um organismo multilateral, o Banco Mundial. É crise modelo exportação.
Informou ontem o Banco Central que a atividade econômica recuou 9,73% em abril; no ano, 4,15%. À exceção da lavoura, todos os indicadores macroeconômicos sucumbiram à desaceleração decorrente de um isolamento social nunca feito na intensidade ideal para atenuar curvas de transmissão e óbitos pela Covid-19 — e já flexibilizado nas duas maiores metrópoles, Rio e São Paulo. Somente em abril, a produção industrial despencou 18,8%, as vendas do varejo, 16,8%, o volume de serviços, 11,7%. Nos três segmentos, apurou o IBGE, as quedas foram as maiores da história. A inflação caminha para o menor nível (1,6%) da série do IPCA, iniciada em 1979; os juros básicos passaram a 2,25%, outro patamar inédito. Seriam ótimas notícias, fossem decorrentes de estabilidade e crescimento, não da recessão também recorde.
Refém da narrativa conflitante dos governantes, oprimida pela deterioração do mercado de trabalho, a população torna às ruas, aglomerada no transporte público, pondo em risco os próprios corpos e a saúde de trabalhadores de áreas essenciais. O desemprego disparou; a massa salarial despencou; o crédito que salvaria micro, pequenas e médias empresas empoçou nos cofres bancários. Quase 18 milhões de brasileiros desocupados sequer buscaram trabalho na última semana de maio, por causa da pandemia ou absoluta ausência de oportunidades.
O IBGE identificou 8,8 milhões de pessoas em teletrabalho e 14,6 milhões afastadas do ambiente laboral em decorrência da pandemia. Outros tantos, ainda não mensurados, passaram a trabalhar em turnos. São situações que impactam (para menos) o deslocamento e a circulação de consumidores por áreas de comércio e serviços. Paralisam ou deprimem a atividade econômica, tanto formal quanto informal, pelo tempo que durar a pandemia — ou para sempre, se os empresários radicalizarem na contratação à distância para reduzir custos com ativos fixos. A deterioração dos indicadores sociais é iminente.
Zonzas estão as autoridades diante do agravamento do cenário. Decisões de políticas econômica e social são tomadas aos solavancos, inclusive por governadores e prefeitos. Faltam liderança e criatividade para planejar a retomada. Há risco real de aumento das desigualdades, tendo em vista que os brasileiros mais afetados pela desatenção à saúde, fechamento de escolas, precarização do mercado de trabalho, agravamento da insegurança alimentar e aumento da violência policial são os excluídos de sempre: negros, mulheres, indígenas, favelados, periféricos, nordestinos. Por fim, o fator surpresa da crise multifacetada, sobrenome que atiça a sociedade e aterroriza o Planalto, formado pela letra inicial de cada parágrafo deste artigo. Ele apareceu.