Trabalho e exclusão racial, por Sueli Carneiro

Um estudo sobre o atual perfil profissional que está sendo exigido pelo mercado de trabalho brasileiro foi realizada pelo Ministério do Trabalho/IBGE. As preferências para o preenchimento das novas vagas recaem sobre aqueles que têm mínimo de 11 anos de estudos. É um alto nível de exigência em termos de escolaridade para os padrões nacionais, em que a média de escolaridade para brancos é da ordem de 6,6 anos de estudo e, para negros, 4,4.

Por Sueli Carneiro

Num contexto econômico marcado por altas taxas de desemprego e pelo desemprego estrutural, agrega-se à intensa disponibilidade de mão-de-obra desempregada exigências de altos níveis de escolarização para os trabalhos mais banais, que afastam cada vez mais os negros do mercado de trabalho, posto que reconhecidamente compõem o segmento social que experimenta as maiores desigualdades educacionais.

Sessenta e quatro por cento das pessoas que conseguiram emprego segundo esse estudo têm 40 anos ou mais, exatamente uma das faixas etárias em que se concentram pessoas negras com menos anos de estudo. Na outra ponta, na faixa etária de 10 a 21 anos, onde se concentram a menor taxa de geração de empregos do período estudado (8,6%), é precisamente a que experimenta maior vulnerabilidade social, que é a juventude, notadamente a juventude negra.

Assim, as exigências educacionais presentes hoje para a alocação de mão-de-obra no mercado de trabalho formal conformam-se não apenas como um instrumento para a seleção dos profissionais mais qualificados, mas opera, também, como um filtro de natureza racial, definindo os que preferencialmente serão alocados. Se não se pode demonstrar intencionalidade de exclusão racial nesse processo, é certo que, a despeito das intenções, é o que ele realiza.
Essas são algumas das possíveis razões para o fato de que crescimento econômico não resulta, necessariamente, em redução sobre as desigualdades sociais. E tem menor impacto sobre a diminuição da pobreza do que políticas focadas no combate às desigualdades sociais, como vem sendo apontado por estudos realizados pelo Ipea. Os efeitos imediatos da recuperação econômica, que se diz em curso, é a absorção no processo de desenvolvimento dos mais educados, postergando ou inviabilizando a inclusão dos historicamente excluídos.

Para reverter essa tendência, é preciso, em primeiro lugar, admitir o que a experiência empírica e os estudos sobre as desigualdades raciais reiteram: negros com as mesmas habilitações que os brancos são preteridos em processos de seleção e, quando igualmente empregados, ganham menos pelo exercício das mesmas funções. Disso decorre que uma política de contratação justa deveria levar em conta esse viés racial presente no processo de alocação e remuneração da mão-de-obra no mercado de trabalho brasileiro.

Em segundo lugar, são necessários incentivos que visem a estimular a adoção de políticas de diversidade nas empresas que possam favorecer a inclusão, capacitação e promoção escolar de trabalhadores negros. É uma iniciativa que há muito se espera do Ministério do Trabalho, sob pena de, ao deixar esse processo transcorrer livremente, segundo as ‘‘leis do mercado”, reproduzir a exclusão racial tradicional nos processos seletivos.

O direito ao trabalho é condição fundamental para a reprodução das demais dimensões da vida social. Por isso é preciso instituir no âmbito do trabalho o mesmo reconhecimento social e político que as desigualdades raciais vêm adquirindo no campo educacional, fato que desencadeou o processo de implementação de cotas raciais para afro-descendentes nas universidades. Tal reconhecimento deve traduzir-se em intervenção política para assegurar o princípio de igualdade entre desiguais e a realização da eqüidade no acesso ao trabalho.

Em terceiro lugar é mister reconhecer que, se a exigência de 11 anos de estudo indicar uma tendência a se consolidar para a conquista de vaga no mercado de trabalho, torna-se imperativa uma política pública agressiva para o acesso e conclusão do ensino médio para os afro-descendentes.

Sem essas condições, as defasagens, sobretudo educacionais, que são percebidas entre negros e brancos, apresentam-se como fatores de perpetuação da subalternidade social dos negros, inscrevendo-os num círculo vicioso em que a ausência da escolaridade exigida torna-se motor da exclusão do emprego e a ausência desse torna-se mais uma fonte de impedimento do acesso, permanência e conquista dos níveis superiores de escolaridade.

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