Transfobia ainda é obstáculo para o acesso de pessoas trans ao mercado formal de trabalho

Iniciativas nas esferas pública e privada, como a Rede Monalisa e o Transcidadania, tentam reverter o cenário de exclusão criando pontes com empresas e oferecendo capacitação profissional

Por Vitória Régia da Silva, do Gênero Número 

Não há vagas para pessoas trans. Desde que Natasha Roxy, 26 anos, passou a se reconhecer como uma mulher trans negra ela envia seu currículo para as empresas usando o nome social. Nunca foi chamada. Um dia ela resolveu fazer um teste e enviou o mesmo currículo, desta vez com seu nome de registro. As empresas começaram a entrar em contato.

O caso evidencia a transfobia e a dificuldade que ela impõe à inserção de pessoas trans no mercado de trabalho. “Quase todos os meus trabalhos de carteira assinada são de telemarketing. Nunca me foram dadas muitas oportunidades”, afirma. Foi em busca de oportunidades que 525 pessoas, a maioria da região Sudeste, se cadastraram na Rede Monalisa, uma plataforma online para conectar potenciais candidatos e candidatas trans e travestis a vagas de trabalho.

Depois de seis meses em funcionamento, a rede conseguiu cadastrar apenas 11 empresas aliadas e empregar 5 pessoas. A adesão de empresas é o maior problema enfrentado pela iniciativa, segundo sua fundadora, a cientista social Mayara Menezes. “Apesar das inúmeras vantagens, o empresariado ainda é fechado ao apoio da causa trans, por preconceito e também incompreensão”, afirma.

Para pessoas trans, conseguir um emprego formal é uma via crucis que começa antes mesmo da entrada no mercado de trabalho, na etapa de qualificação profissional. Natasha conta que, por ser trans, a família a pressionava mais para trabalhar, sair de casa e se sustentar na adolescência. Sua carreira profissional se resume ao trabalho com telemarketing e com direitos humanos no Programa Rio Sem Homofobia. “Eu tentei me profissionalizar várias vezes durante o Ensino Médio, mas sempre cercada de cobrança e pouco incentivo da família”, afirma.

Depois de um curso de fotografia na Ação Comunitária do Brasil, na Maré, elase apaixonou pela arte, e hoje busca apoio de programas e cursos gratuitos, como a Rede Monalisa, para se profissionalizar. Desempregada, ela mantém um canal no Youtube onde fala sobre a vivência de ser uma mulher trans negra. “O nível de capacitação profissional das pessoas trans e travestis é um desafio. Muitas têm baixa escolaridade e são pessoas que tiveram que sair muito cedo de casa, apoiando-se no trabalho informal e na prostituição. A Monalisa pretende reverter esse risco através de parcerias para capacitação profissional”, explica Mayara.

Os obstáculos para acessar o mercado formal ficam expressos em números no levantamento feito pela Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra) junto às diversas regionais da entidade. Os dados apontam que 90% das pessoas trans recorrem à prostituição em algum momento da vida. Segundo o Relatório da violência homofóbica no Brasil, publicado pela Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República (SDH) em 2016, a transfobia faz com que esse grupo “acabe tendo como única opção de sobrevivência a prostituição de rua, o que os torna mais vulneráveis aos vários tipos de violência, inclusive a sexual”.

Além da Rede Monalisa, o  Fórum de Empresas e Direitos LGBTs  também reúne empregadores que respeitam os direitos humanos de lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais. Criado em março de 2013, conta com a adesão de 37 grandes empresas.

“É um número pequeno, mas o Fórum quer isso mesmo, por entender que a mudança no ambiente empresarial, essa quebra dos círculos viciosos de exclusão e a influência na sociedade por meio da voz de suas lideranças e criação de referências com boas práticas, se consegue com consistência, e não necessariamente com quantidade”, afirma Reinaldo Bulgarelli, secretário executivo do Fórum e sócio-diretor da Txai Consultoria e Educação.

O Fórum possui “10 Compromissos com Indicativos de Ação”, documento que serve de diretriz para as empresas signatárias. Nele, o respeito aos direitos das pessoas trans aparece como uma ação prioritária, e em muitos casos gera certa resistência das empresas. “Há empresas que se recusam a assinar a Carta de Adesão ao Fórum por conta do tratamento que demos ao tema da identidade de gênero”, conta Reinaldo. Por outro lado, já é possível ver o resultado de ações afirmativas nas empresas. “Uma delas está utilizando o programa do Jovem Aprendiz para incluir jovens trans, investir em seu desenvolvimento e enfrentar os preconceitos no ambiente de trabalho, na sociedade e na própria família.”

Natasha Roxy, 26 anos, na Casa Nem

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