Na agenda da dermatologista gaúcha Kathleen da Cruz Conceição, constam nomes como Lázaro Ramos, Taís Araújo, Preta Gil, Cris Vianna, Thiaguinho, Juliana Alves e Érica Januzza. Eles fazem parte de um time de famosos que entrega o rosto e o corpo aos cuidados da médica. O motivo de tanta credibilidade e confiança tem razão de ser: Katleen é a única dermatologista brasileira especializada em tratamentos para a pele negra.
Mas nem tudo foi tão simples. Ela sofreu com o preconceito até alçar voos altos na carreira profissional. Leia o depoimento da dermatologista:
“Fui fazer Medicina por causa do meu pai, João Paulo Conceição, que também é dermatologista. Ele é minha referência e sempre incutiu essa ideia da Medicina na cabeça dos filhos – tenho mais três irmãos -, mas só conseguiu comigo. Eu me preparei e passei para a Universidade de Teresópolis (RJ). Fui fazer pediatria.
Uma vez, num sábado de Carnaval, estava de plantão e nenhum outro médico apareceu. Atendi 300 crianças. Fiquei transtornada. Naquele dia, meu pai me disse: “A partir de hoje você vai parar com a pediatria, vai ser dermatologista”. Eu já tinha uma afinidade com essa coisa de pele.
Terminada a faculdade, fiz mais dois anos de pós em dermatologia e fui trabalhar com meu pai – que sempre foi muito exigente comigo. Depois, fui para o Hospital do Exército. Lá fiquei durante sete anos, como tenente, e ganhei um conhecimento importante sobre doenças – tratei desde a pessoa mais humilde à de maior patente. Depois voltei a trabalhar com o meu pai – que, desta vez, me aconselhou a fazer estética. Eu sabia que esta não é uma especialidade muito respeitada na medicina, muita gente faz pensando em ganhar dinheiro. O meu objetivo era me aprofundar na dermatologia. Era tão dedicada, levava tão a sério que em pouco tempo virei professora do curso.
Mas, quando virei chefe, sofri muito preconceito: era muito jovem, dermatologista e negra. Não gostavam de mim, mas não podiam me tirar porque eu dava credibilidade ao curso. Então, eles me escondiam. Quando apareciam pacientes negros, mandavam para mim com o seguinte raciocínio: ‘Manda pra Katleen porque ela também é negra’. Fiquei lá cinco anos, mesmo sofrendo preconceito, e aprendi muito. Tudo o que as pessoas diziam que não faziam por ser pele negra, eu dizia: ‘Eu faço’. Foi a minha escola.
“Lázaro Ramos gosta de cremes para a barba. Ele tinha foliculite, que foi tratada e hoje está muito bem controlada” (Arquivo pessoal)
Dali em diante comecei a me especializar ainda mais, a fazer muitos cursos lá fora. Naquela época eu já atendia Juliana Alves, Benedita da Silva. Mas a minha vida mudou quando atendi Mercedes Araújo, mãe de Taís Araújo, que sofria com uma patologia do rosto. Fizemos um tratamento com laser e ela ficou curada. A Mercedes me perguntou quem eu queria tratar, e respondi Lázaro Ramos e Isabel Filardis. Exatamente nesta época o Lázaro ia fazer a novela Insensato Coração, vivendo um cara megachique. Ele veio cuidar da pele comigo e começou a me mandar muita gente.
Hoje, estou numa das melhores clínicas da América Latina (a Clínica Dermatológica Paula Bellotti, no bairro carioca do Leblon), com os melhores equipamentos e lasers. Uma vez por mês vou a São Paulo, e no Rio atendo de terça a sexta. O que me motiva todos os dias é a coisa da representatividade, é as pessoas chegarem aqui e se sentirem estimuladas quando me veem. Elas dizem: ‘Puxa, doutora Katleen, que legal a gente ver uma negra que conseguiu, que estuda’. Fiz um trabalho voluntário para o Hospital de Bonsucesso, na zona norte do Rio, durante quatro anos, gosto de atender pessoas carentes. Depois fui para a Santa Casa e até hoje estou lá, atendo com preços mais baratos pessoas que não podem estar no meu consultório do Leblon.”
“Minha família veio para o Rio de Janeiro quando eu tinha três anos, meu pai é militar, coronel médico, sempre moramos na Zona Sul. Os meus irmãos estudavam em colégio militar e eu, no colégio alemão. Meu pai sempre me dizia: ‘Você é linda, você é a menina mais linda do colégio’. Mas meus pais sempre me botaram muito nude, cor de unha bege, cabelo arrumadinho, preso. Isso mascarou um pouco a negritude. Transitei no meio dos brancos, mas sempre tive o lado da negritude muito forte, porque meu pai é assim. Ele me preparou para essa guerra. Sempre fui muito impositiva, e a única coisa que fazia com que eu me sentisse um pouco inferior era o cabelo. Claro que isso era um problema pra mim – todo mundo caía na piscina, lavava e o cabelo estava ok. E eu ficava lá secando, fazendo outras coisas para ficar legal. Isso me abalava.”
SUPERAÇÃO
“Logo depois de formada eu namorei um cara que tinha um amigo alemão, e este namorava uma negra. Ela usava tranças de mega hair. Eu sempre me senti bonita, mas o cabelo me travava. Aí, resolvi usar as tranças também e – uau! Nossa, eu me descobri, virei outra pessoa! Hoje em dia uso interlace e não tenho problema algum em falar. Quando as minhas pacientes perguntam, eu inclusive dou o endereço da cabeleireira onde faço o cabelo.”
AMOR
“Nós moramos uma época em Manaus, quando eu tinha uns 15, 16 anos, porque meu pai era militar e moramos em algumas cidades. Lá namorei dois caras que eram os mais concorridos, eles eram apaixonados por mim. Já na faculdade, os meninos ficavam comigo na chopada, na night, mas de dia não me assumiam. Hoje sou muito bem casada, meu marido é muito bonito, tipo Diogo Nogueira (risos). Mas meu pai não me educou para casar, então eu não sei fazer nada dentro de casa. Neste sentido sou uma dondoca, não sei cozinhar, fazer nada. Tenho uma filha de oito anos, Maria Eduarda. Ela é o máximo e me acha o máximo.”