Viola Davis enfim vive sua primeira protagonista no sucesso ‘How to get away with murder’

Na série, que tem produção executiva da badalada Shonda Rhimes, a atriz vive uma advogada sexy e manipuladora

por Thaís Britto no O Globo

A protagonista de “How to get away with murder” é uma mulher. Num momento em que o protagonismo feminino é motivo de discussão fervorosa em Hollywood, isso por si só é notícia. Mas tem mais: a advogada Annalise Keating é complicada. Manipuladora, sexy, cruel, mas, ao mesmo tempo, vulnerável, ela podia estar naquela velha lista de anti-heróis onde costumam colocar Don Draper (“Mad men”), Tony Soprano (“Família Soprano”) e Walter White (“Breaking bad”). Mais uma coisinha: Annalise é Viola Davis, uma mulher negra de 49 anos. Em janeiro, ao ganhar o prêmio de melhor atriz no SAG Awards por sua performance na trama — que enfim chega ao Brasil no Sony nesta quinta, às 21h30 —, ela agradeceu aos criadores da atração por “acharem que uma mulher sexualizada, complicada e misteriosa pudesse ser uma afro-americana de 49 anos que se parecesse com ela”.

— Tive muitos papéis bons no cinema, mas tive mais ainda papéis onde eu não era a estrela. Era como se eu tivesse sido convidada para uma festa incrível, mas só para ficar encostada na parede (risos). Eu queria ser o show. Queria um personagem que me tirasse da minha zona de conforto. E me sinto muito sortuda por estar viva e ativa, e este papel ter vindo neste ponto da minha vida — diz a atriz, durante o lançamento da série, no ano passado, em Los Angeles.

Viola já havia participado de séries como “Law and Order: SVU” e “United States of Tara”, mas seu nome era mais relacionado ao cinema, especialmente depois das indicações ao Oscar: uma de atriz coadjuvante em “Dúvida” (2009) e outra de melhor atriz por “Histórias cruzadas” (2011). Embora ela afirme ter relutado — o medo do fracasso e as muitas horas longe da filha Genesis, de 4 anos, seriam problemas —, aceitou logo de cara o papel na série.

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— Não foi uma decisão difícil realmente, porque chegou a um certo ponto da minha carreira em que eu perguntava o tempo inteiro para o meu empresário: “Por que eles não criam personagens para atrizes negras como eu que sejam complexas? Por que sempre tem que ser aquela mesma coisa que sei como vou fazer? Sabe, sempre é aquela grande e boa mama sentada no sofá”.

Viola foi apenas a terceira mulher não-branca a ganhar o prêmio de melhor atriz dramática no SAG. As outras duas foram Chandra Wilson e Sandra Oh por “Grey’s Anatomy”. Curiosamente, as três estão em séries que têm o dedo de Shonda Rhimes, uma das mais poderosas produtoras de TV americana da atualidade. Em “How to get away with muder” ela não é a criadora — a ideia é de seu pupilo Peter Nowalk, mas ela atua na produção-executiva. De todo modo, é a primeira executiva em muitos anos a ter um dia da semana todo para ela: o canal ABC exibe as três produções da Shondaland (a terceira é “Scandal”) em sequência no horário nobre de quinta-feira.

Shonda é conhecida — e festejada — por promover a diversidade em suas séries, que são sucessos tremendos de audiência. Sejam negros, brancos, homens, mulheres, gays ou heterossexuais, os personagens ganham estofo e personalidades que tentam fugir do estereótipo. E ela — que é daquele tipo chefe intimidadora poderosa ao vivo — nem liga quando dizem que ela é incrível por isso.

— Tento escrever seres humanos. Acho engraçado quando as pessoas dizem que criei mulheres fortes. E sempre digo, qual é a alternativa? Mulheres fracas? Não, elas são apenas mulheres. Mulheres são personagens complexas porque as pessoas são complexas. Não tenho uma lista de características que preciso colocar num personagem, apenas tento escrever pessoas como elas são — defende Shonda.

Já no episódio de estreia de “HTGAWM” — visto por 14 milhões de telespectadores quando exibido na ABC e por mais 20 milhões em gravadores digitais —, Annalise é mostrada em duas de suas facetas mais opostas: aterrorizando seus alunos numa cena, e praticamente tendo um colapso em outra. Nada diferente da vida, diz Viola.

— É por isso que psicólogos e terapeutas ganham tanto dinheiro (risos). É verdade, nós somos uma bagunça. E muitas vezes as narrativas que vemos na TV, no cinema e até no teatro não fazem jus a isso. Por exemplo, fico confusa quando dizem que a personagem é “moralmente questionável”. Sim, porque todos nós somos! Então ela é realista.

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Os novatos Alfred Enoch, Jack Falahee, Aja Naomi King, Karla Souza Matt McGorry são os alunos e estagiários da protagonista – Divulgação

Annalise Keating é realmente um caso de psicanalista. Mas as razões o espectador vai descobrindo ao longo dos episódios. O que já dá para contar sobre o piloto — que requer atenção e tem linhas de tempo diferentes — é que a protagonista é professora de Direito e advogada de defesa brilhante que, no início do semestre, recruta um grupo de alunos para serem seus estagiários. O nome da matéria que ela ensina é direito criminal, mas ela prefere chamá-la de “How to get away with murder” ou, em tradução livre, como sair impune de um assassinato.

Enquanto esse grupo heterogêneo de jovens é apresentado no presente, o episódio corta para o futuro, que revela o envolvimento deles próprios com um assassinato. A identidade do morto — vamos poupar o spoiler — aparece só no fim do episódio. Mas os 15 capítulos da primeira temporada prometem reviravoltas, observa Nowalk. Até porque, fica a pergunta: quando for resolvido o crime, o que sobra para o segundo ano? A segunda leva de episódios da série, aliás, foi oficialmente confirmada na semana passada.

— A primeira temporada não vai exatamente para onde as pessoas pensam que vai quando veem o piloto. Quando vendemos a série para a ABC, não queríamos fazer a não ser que soubéssemos que era possível ter várias temporadas. Então, sim, nós temos um plano.

Além de apresentar caras novas, a série traz ainda rostos conhecidos dos fãs de série: Katie Findlay, de “The killing” e “The Carrie diaries”, é a vizinha gótica de um dos alunos. Embora apareça pouco no piloto, será essencial no desenrolar da trama. Outra que está mais presente ao longo da temporada é Liza Weil, a eterna Paris Geller de “Gilmore girls”. Já Tom Verica, que havia deixado a atuação e, nos últimos anos, trabalhava como diretor das séries de Shonda, foi convidado pela produtora para viver o marido de Annalise.

Todos são, de certa forma, envolvidos no jogo de manipulação da protagonista, que muitas vezes se utiliza de expedientes polêmicos — e ilegais — para ganhar seus casos. Isso impedirá o público de gostar dela?, alguém pergunta. Shonda não é nada sutil:

— Nunca perguntam a homens se eles ficam preocupados se o público vai gostar de seus personagens… — alfineta a produtora.

Mas Viola responde:

— Não sou muito fã desse negócio de simpatizar. É um erro. O público precisa entendê-la, mas não necessariamente gostar dela. O que acontece quando você tenta escrever uma narrativa para o público gostar do personagem é que você perde verdade. Então eu gosto sim desse “anti” antes do “heroína”. Quando eu fiz a Aibileen de “Histórias cruzadas”, ela era uma personagem bonita, carinhosa, mas não era necessariamente a verdade. Isso aqui me parece bem mais verdadeiro.

*A repórter viajou a convite do canal Sony

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