Uerj expulsa estudante de Administração por fraude no sistema de cotas sociais

Universidade carioca vai exigir justificativa de quem se declarar negro ao se inscrever no vestibular

por Lauro Neto

 

RIO – A Uerj expulsou uma aluna de Administração, este mês, depois de ter comprovado que ela fraudou o sistema de cotas declarando informações socioeconômicas falsas. É o segundo caso de cancelamento de matrícula por burlar a reserva de vagas, adotada pela instituição há dez anos. O primeiro episódio envolveu o aluno de Medicina Bruno de Barros Marques, punido pelos mesmos motivos, como revelado pelo GLOBO em março. Assim como ele, a estudante expulsa agora declarou, ao se inscrever no vestibular da instituição, que sua família tinha uma renda bem mais baixa do que a verdadeira, segundo informações da procuradoria da universidade.

O nome dela não foi divulgado pela instituição, mas constava de numa lista enviada à Uerj pelo Ministério Público (MP-RJ) com 41 aprovados no vestibular 2013 para apurar eventual falsidade em suas autodeclarações. Eles ingressaram na faculdade beneficiando-se da reserva de vagas para cotistas, a maioria se dizendo negros ou indígenas. Outros três alunos pediram cancelamento de suas próprias matrículas quando foram convocados a dar explicações sobre as denúncias em sindicâncias internas da Uerj. Eles eram estudantes de Nutrição, Relações Públicas e Psicologia. O MP investiga mais de 60 denúncias sobre o tema desde 2007, concentradas em um inquérito civil. Em acordo com o órgão, a universidade incluirá cláusulas mais rígidas no edital do vestibular deste ano, como a justificativa da autodeclaração da etnia.

De acordo com o procurador da Uerj Bruno Garcia Redondo, a autodeclaração passará a prever campos para o vestibulando apontar os critérios que utilizou para firmar sua autodeclaração, quesitos semelhantes aos usado pelo IBGE no Censo, tais como: cor da pele, ascendência/ancestrais e contexto social a fim de que o declarante passe a fornecer dados minimamente mais objetivos.

– Essas justificativas serão por múltipla escolha e por escrito, além de um campo genérico denominado “outro”, para o candidato escrever algum critério diverso do modelo que tenha utilizado – explica Garcia Redondo.

Além disso, o edital conterá o alerta de que a falsidade na autodeclaração poderá ensejar punições na esfera penal (estelionato e outros delitos), administrativa (jubilamento) e civil (reparação ao erário), bem como que o aluno poderá ser convocado, ao longo do curso, para justificar sua autodeclaração à comissão responsável pelo tema. A autodeclaração deverá ser firmada de próprio punho pelo vestibulando e conterá os mesmos alertas do edital.

– A Uerj jamais se prestará a ser um “Tribunal Racial”, então não nos cabe fazer julgamentos com base em parâmetros não científicos e que o Brasil ainda não definiu. Mas ao menos essas medidas já parecem desestimular as fraudes, com alertas mais claros sobre as sanções e a vinculação da autodeclaração aos critérios que o próprio declarante vier a indicar – diz o procurador.

O cancelamento da matrícula da aluna de Administração foi pedido pela Procuradoria Geral da Uerj após constatação de fraude na declaração de carência econômica, que estabelecia à época renda mensal máxima per capita de até R$ 960. A universitária alegava que ela e a mãe moravam juntas, e recebiam uma pensão de R$ 950 do pai, que moraria na casa de amigos após a separação da mulher.

Após uma visita no endereço informado pela menina, uma comissão da Uerj constatou que o casal ainda morava junto com a filha num condomínio em Campo Grande, numa casa “em ótimo estado de conservação, composta de dois andares, sendo um superior, com duas varandas, com ar-condicionado em cada um deles”. Na parte externa, havia um quintal grande com varanda, piscina, área de lazer e um Peugeot estacionado.

O parecer final foi dado pela procuradora para assuntos acadêmicos da Uerj Leticia Binenbojm, e assinado pelo reitor da universidade, Ricardo Vieiralves. Segundo a Uerj, as informações serão encaminhadas ao MP para que sejam tomadas as possíveis sanções criminais.

– A aluna também havia declarado que o pai era isento do imposto de renda e apenas recebia pelo INSS, mas descobrimos que não era verdade. Como ela recebeu bolsa permanente entre abril de 2013 e julho de 2014, no total de R$ 6.400, será notificada para devolver esses valores – diz Leticia.

DEBATE DISCUTIRÁ AÇÃO AFIRMATIVA

Hoje, a procuradora da Uerj participará do debate “A menina de todas as cotas”, no Midrash Centro Cultural, às 20h. O painel discutirá o impacto social da ação afirmativa e contará com a participação de Frei David, presidente da ONG Educafro, Augusto Sampaio, vice-reitor Comunitário da PUC-Rio, e Nathália Rodrigues, do programa “Esquenta” da TV Globo. Deficiente, negra e de origem humilde, Nathália foi vítima de preconceito racial e agressões numa universidade particular da qual era bolsista no Rio. A jornalista Tania Menai será a mediadora.

No debate, Frei David cobrará que a Uerj crie uma comissão de acompanhamento por parte da sociedade civil que possa apurar possíveis fraudes. Para ele, o órgão funcionaria de modo semelhante a outros já instalados em instituições que recebem alunos do Programa Universidade Para Todos (Prouni):

– Essa é a demanda que já vínhamos cobrando desde que a Uerj adotou as cotas. É uma prioridade para nós, mas pelo jeito não para a reitoria, que em todos esses anos não fez nada para sair.

David explicou que uma das principais tarefas do novo órgão seria receber denúncias de possíveis fraudes por parte dos alunos. No entanto, o religioso fez a ressalva de que o sigilo do denunciante deve ser garantido, o que não estaria acontecendo.

– Sabemos de casos como o de uma menina que denunciou outra estudante que debochava de ter fraudado as cotas abertamente e acabou sendo perseguida na universidade. Isso é falta de respeito com o ser humano.

A lei em vigor a respeito de cotas na Uerj, de 2008, estabelece reservas para estudantes negros e indígenas; para oriundos da rede pública de ensino; e para pessoas com deficiência e para filhos de policiais civis, militares, bombeiros militares e de inspetores de segurança e administração penitenciária, mortos ou incapacitados. O estudante precisa provar ainda renda mensal per capita de até R$ 1.017.

A estudante de jornalismo Nathália Rodrigues, de 22 anos, que em novembro passado alegou ter sido vítima de racismo de colegas acabou abandonando a bolsa que tinha na instituição e migrou para outra faculdade particular.

– Prefiro pensar hoje como posso ajudar outros deficientes a ter acesso a ensino de qualidade. No meu caso, como cega, percebo que não adianta dar cotas se não houver acompanhamento especializado para deficientes tanto na escola quanto na faculdade – afirma.

 

 


Fonte: O Globo 

 

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