Último reduto do macho

No futebol, até mesmo falar publicamente contra a discriminação dos gays é um tabu que parece invencível

 

 

CARNAVAL é um momento de vale-tudo, de permissividade quase compulsória, que nos dá a impressão de que vivemos no reino da liberdade e da tolerância. Triste ilusão, pelo menos no que diz respeito ao futebol.

Associação dos Futebolistas Profissionais Ingleses e a Federação Inglesa de Futebol desistiram de fazer uma grande campanha contra a homofobia. Motivo: nenhum dos jogadores procurados topou aparecer na TV para falar contra a discriminação dos homossexuais. Temiam, eles próprios, ser associados com o tal “amor que não ousa dizer seu nome” (Oscar Wilde).

Vários dos atletas sondados para a campanha participaram ativamente de movimentos contra o racismo. Mas “opa, calma lá, veadagem é outra história”.

Isso acontece na Grã-Bretanha, terra dos Beatles e dos Rolling Stones, do sexo, drogas e rock’n roll, de David Bowie, Elton John e Freddy Mercury, da revolução dos costumes. Mas o futebol, ao que parece, é uma pátria à parte. Imagino que no Brasil não seria diferente.

Ao divulgar a notícia, a imprensa britânica lembrou que o negro Justin Fashanu (1961-1998), inglês filho de nigerianos, foi o primeiro e até agora o único futebolista profissional de primeira divisão a assumir sua condição homossexual. Vale a pena relembrar sua história.

Aos 21 anos, no Nottingham Forest, Fashanu era um talento ascendente, que fazia gols em profusão, quando bateu de frente com o dirigente e ex-atleta Brian Clough, que ficou sabendo de suas escapadas para boates e bares gays. Começava ali uma inacreditável peregrinação do jogador por uns 20 clubes de Reino Unido, EUA, Canadá, Austrália e Nova Zelândia.

Em quase todos, a mesma história: depois de um início brilhante, com muitos gols, a queda de produção era acompanhada pelo escárnio dos colegas e pela hostilidade da torcida. Em 1990, numa entrevista ao tabloide “The Sun”, Fashanu assumiu sua condição homossexual, o que só piorou a situação.

Vários jogadores se enfureceram com sua atitude, e até seu irmão John o renegou publicamente. Fashanu resvalou para o limbo de times das divisões inferiores e clubes semiamadores, treinou equipe juvenil nos EUA, jogou na Austrália e na Nova Zelândia, voltou para os EUA.

Em março de 1998, quando treinava um time de segunda divisão de Maryland, um rapaz de 17 anos o acusou de assédio sexual. Fashanu fugiu de volta para a Inglaterra e, dois meses depois, foi encontrado enforcado numa garagem deserta, na periferia de Londres.

Tinha 37 anos. Em seu bilhete suicida estava escrito: “Percebi que já tinha sido condenado. Não quero mais causar constrangimento a meus amigos e familiares”.

Na verdade, a Justiça norte-americana tinha arquivado o processo contra ele, por falta de provas. Mas ele nunca soube. Havia se acostumado à condição de pária e fugitivo.

E, para não dizer que não falei de Carnaval, cito os versos de um samba antigo de Candeia, gravado lindamente por Paulinho da Viola: “Amor é tema tão falado,/ mas ninguém seguiu nem cumpriu a grande lei./ Cada qual ama a si próprio./ Liberdade, igualdade, onde estão não sei”.  

Fonte: Folha de São Paulo

+ sobre o tema

Mostra em São Paulo celebra produção de cineastas negros no Brasil

Uma seleção de filmes brasileiros realizados por cineastas negros...

O dia em que os deputados brasileiros se negaram a abolir a escravidão

Se dependesse da vontade política de alguns poucos, o...

para lembrar

Mostra em São Paulo celebra produção de cineastas negros no Brasil

Uma seleção de filmes brasileiros realizados por cineastas negros...

O dia em que os deputados brasileiros se negaram a abolir a escravidão

Se dependesse da vontade política de alguns poucos, o...
spot_imgspot_img

Feira do Livro Periférico 2025 acontece no Sesc Consolação com programação gratuita e diversa

A literatura das bordas e favelas toma o centro da cidade. De 03 a 07 de setembro de 2025, o Sesc Consolação recebe a Feira do Livro Periférico,...

Mostra em São Paulo celebra produção de cineastas negros no Brasil

Uma seleção de filmes brasileiros realizados por cineastas negros ou que tenham protagonistas negros é a proposta da OJU-Roda Sesc de Cinemas Negros, que chega...

O dia em que os deputados brasileiros se negaram a abolir a escravidão

Se dependesse da vontade política de alguns poucos, o Brasil teria abolido a escravidão oito anos antes da Lei Áurea, de 13 de maio de...