“Hoje eu quero voltar sozinho”, primeiro longa de Daniel Ribeiro, conta a história de um adolescente cego que se descobre gay
Por Marcelo Hailer
O cineasta Daniel Ribeiro, 31, ganhou notoriedade logo no início de carreira com o curta-metragem Café com leite, que conta a história de um casal gay que se torna responsável por criar uma criança. O curta foi exibido no Festival de Berlim (2008) e o ganhou o prêmio Urso de Cristal (Teddy Bear), destinado a obras que tratem da diversidade sexual.
Dois anos depois, Ribeiro voltaria com um novo curta-metragem. Eu não quero voltar sozinho (2010) conta a história de Leandro (Guilhermo Lobo), jovem com deficiência visual que se descobre gay ao conhecer Gabriel (Fabio Audi), aluno novo que chega à escola. O filme fez um sucesso estrondoso e foi premiado em vários festivais do Brasil. No YouTube, o curta já teve mais de 3 milhões de visualizações.
Agora, Daniel Ribeiro está de volta ao Festival Berlim e de lá conversou com a revista Fórum para falar da estreia de “Hoje eu quero voltar sozinho”, longa que, como aponta o título, foi inspirado no curta. Ribeiro revela que a ideia de falar sobre um jovem gay e cego vem da percepção de que a “questão da sexualidade é muito atrelada À visão”, e daí surge o argumento de criar “um personagem que não possui esse sentido se descobrindo gay”. O diretor apostou que tal abordagem “geraria uma série de reflexões”. E ele acertou.
Ribeiro conta ainda como é a sensação de voltar ao Festival de Berlim e ter a estreia de seu longa de estreia em Berlinale. “É muito emocionante estrear um primeiro longa num festival como o de Berlim. Eu adoro o festival e a cidade”, celebra. Ribeiro também relata que não esperava tamanho sucesso do curta. Eu não quero voltar sozinho e fala da arte de se fazer uma cinema “fora do armário”. O longa estreia no Brasil no dia 28 de março. Após a entrevista, assista ao curta que deu origem ao filme.
Fórum – Em 2008, você ganhou o prêmio Urso de Cristal no festival de Berlim com o filme Café com Leite. Agora, retorna com o longa Eu quero voltar sozinho, que será exibido na seção Panorama do festival. Qual é a sensação?
Daniel Ribeiro – É muito emocionante estrear um primeiro longa num festival como o de Berlim. Adoro o festival e a cidade. E como boa parte do público é composta pelos moradores da cidade, é uma experiência muito boa exibir o filme aqui.
Fórum – Como surgiu a história do curta Eu não quero voltar sozinho? Você esperava que ele fosse ter uma recepção tão forte?
Ribeiro – A ideia do Eu Não Quero Voltar Sozinho surgiu da vontade de fazer um filme sobre um personagem cego, que nunca viu um homem ou uma mulher, descobrindo sua orientação sexual. Como a questão da sexualidade é muito atrelada à visão, achei que criar um personagem que não possui esse sentido se descobrindo gay geraria uma série de reflexões. Nunca imaginei que teria uma recepção tão boa, mas, aparentemente, muitos adolescentes se identificaram muito com este garoto se apaixonando pela primeira vez.
Fórum – E a ideia da continuação, ela já existia ou surgiu depois do sucesso do curta?
Ribeiro – A ideia surgiu ao mesmo tempo. Quando eu tinha terminado de circular com o Café com Leite por festivais, precisava de um novo projeto e queria fazer um longa contando a história deste personagem cego se descobrindo gay. Mas, antes, achei que seria importante fazer um curta com este mesmo personagem e o universo que servisse de piloto para o longa.
Fórum – E por que agora Leonardo quer voltar sozinho?
Ribeiro – Como todo adolescente, Leonardo quer independência. Como é cego, existe uma superproteção em relação a ele por parte da mãe. Isso o motiva a querer fazer as coisas sozinho para provar que, apesar de ser cego, é capaz de fazer as coisas como qualquer outra pessoa. Uma delas é voltar sozinho pra casa, sem precisar ser acompanhado por ninguém.
Fórum – Hoje em dia o curta Eu não quero voltar sozinho é utilizado por escolas e em projetos de capacitação no que diz respeito a sexualidades e preconceito. O que você acha disso?
Ribeiro – Acho incrível que o curta tenha esse potencial, principalmente porque foi feito sem essa intenção. Ainda mais atualmente, que a questão da homofobia ganhou tanta visibilidade, fico muito feliz que um filme possa estimular adolescentes e crianças a refletir sobre tolerância e respeito. E sempre recebo mensagens de adolescentes que viram o filme em sala de aula contando suas experiências.
Fórum – O curta “Eu não quero voltar sozinho” se tornou um fenômeno graças às redes sociais. Acredita que o longa terá uma repercussão tão forte quanto nos cinemas?
Ribeiro – Lançar um longa no Brasil é sempre muito difícil e é impossível comparar com o alcance que um filme na internet consegue ter. A quantidade de salas no país é muito pequena e a concorrência enorme. Então, mesmo que um filme tenha potencial de atingir e se comunicar com o público, ele precisa encarar muitos obstáculos. Mas espero que muitos dos que viram o curta na internet tenham a oportunidade de ver o longa no cinema.
Fórum – Você considera que fazer um cinema “fora do armário” ainda é um tabu? Dificulta a conquista de patrocínios?
Ribeiro – Felizmente, hoje em dia, existe dinheiro sendo investido no cinema por meio de editais públicos, o que vem tornando a realização dos filmes um pouco mais viável. Por se tratar de editais públicos, temas que gerem debate às vezes têm uma chance maior de serem contemplados por possuírem uma certa relevância para a sociedade. Por outro lado, quando se fala de investimento feito por empresas privadas, há uma dificuldade de temas mais polêmicos alcançarem esses recursos. Mas acho que existe um equilíbrio interessante atualmente.
Fórum – Como você definiria o seu filme?
Ribeiro – Uma história que mostra que um grande amor não precisa ser à primeira vista.
Fonte: Revista Fórum