Um Brasil despreza e não merece Pelé…

Por: Bob Fernandes

Argentina x Suíça no Itaquerão. A torcida argentina faz o de sempre, uma ode a Maradona. Canta e provoca: “…Maradona é maior do que Pelé…”
Pelé está no estádio. A torcida brasileira, a princípio, nada diz a respeito de Pelé. Não como reverência, saudação. Depois, apenas como resposta aos argentinos, entoará:

-Mil gol, mil, gols, só Pelé, só Pelé; Maradona, cheirador…

Copa do Mundo no Brasil. País de Pelé, eleito o Atleta do Século XX, coroado o Rei do Futebol desde a Copa de 58, aos 17 anos, três vezes campeão do mundo em quatro Copas, bicampeão mundial pelo Santos, bicampeão na Libertadores…

Pelé, cidadão do mundo, reverenciado em toda a Terra, recebido por todos os Papas, Reis e Rainhas, presidentes, Chefes de Estado, ídolo de estrelas do cinema, da música, do mundo esportivo, condecorado em todos os cantos do planeta…

Pelé, outros 7 títulos pela seleção brasileira, seis vezes campeão nacional, 10 vezes campeão paulista, 11 vezes artilheiro estadual, “inventor”do futebol nos Estados Unidos…

Pelé, quem já viu, sabe: mundo afora, onde chega, para tudo.

Pelé, quem caminha por aí, ainda hoje, sabe: Pelé e Brasil, Brasil e Pelé se confundem aos olhos e imaginário do mundo.

E o que se ouve, se vê na Copa do Mundo no Brasil sobre Pelé aos 73 anos? Nada, ou quase nada. Diante de quem Ele foi, e é… um estrondoso e vergonhoso silêncio.

Não faltam, não faltarão explicações: a FIFA, a CBF, as inimizades, os interesses, os negócios…

Menos ainda faltará a argumentação padrão:

-Pelé calado é um poeta… Pelé só fala… Pelé não reconheceu a filha…Pelé não acerta uma…Pelé não entende nada de futebol… Pelé…

O de sempre.

Brasileiros, em especial os mais jovens, dizem amar o futebol argentino. Pela maneira como os argentinos jogam, como torcem, pelos seus cânticos, pela forma como veneram seus ídolos, pela idolatria quase religiosa a… Maradona.

“Pelé é uma biruta de aeroporto…. não sabe o que diz sobre política, raça, sociedade… Maradona se define claramente como cidadão à esquerda…”, por aí a argumentação básica de muitos.

(Inclusive de tantos que estão à direita, ou odeiam esquerdas em geral).

Bem, a valer o que fizeram os cidadãos Edson Arantes do Nascimento e Diego Armando Maradona Franco, como cultuar, achar linda a idolatria aos 53 anos de Maradona e questionar cada gesto, cada palavra de Pelé?

Como, aferrando-se somente  a palavras e gestos humanos, demasiadamente humanos, buscar diminuir quem Ele foi e significou, significa para o Brasil?

E não apenas dentro de campo.

Ou Michael Jordan, Muhammad Ali, Magic Johnson… e Maradona, para ficar em poucos exemplos, não transcendem, não representam, não significam para os seus e mundo adentro mais do que fizeram nas quadras, tablados e campos?

Se o cidadão Pelé provoca em um certo Brasil um distanciamento, um certo desprezo, essa atitude blasé, como admirar não Maradona – não é essa a questão -, mas a veneração dos argentinos pelo Maradona – que é também o cidadão?

Sem julgamento moral, apenas atendo-se aos fatos, Maradona foi banido de uma Copa por doping. Maradona quase morreu por overdose de cocaína.

Maradona chegou a ser condenado a dois anos e meio de prisão por atirar em jornalistas com uma espingarda de pressão. Maradona já agrediu repórteres, já teve vetada sua entrada no Japão, já foi investigado pelo fisco italiano.

Por sete vezes Maradona recusou-se a fazer exame de DNA para reconhecimento de uma suposta filha. Depois faria, e não era mesmo sua filha.

Não foi fácil, da mesma forma, reconhecer Diego Sinagra, filho que teve quando vivia na Itália. Nada disso é segredo. Basta um clique na Wikipédia.

Maradona é humano, demasiadamente humano, e também por isso é amado pelo seu povo.

Pelé, para uma certa porção do Brasil – é de não poucos setores da mídia- é objeto de complacência, ironias, algo a ser largado em algum canto do passado.

Essa certa porção do Brasil dedica a Pelé uma das suas piores facetas: a imposição do silêncio.

Como dedica, por exemplo, a João Gilberto. A mesma indiferença que tinha diante do genial Tom Jobim que, por genial, definiu assim esse um certo Brasil, nunca o todo:

– No Brasil, o sucesso alheio é ofensa pessoal…

Nem mesmo a crítica se faz. E a crítica tem que ser feita e, profunda, favorável ou não, a toda qualquer figura pública. Mas não, o jeito, a arma desse certo Brasil é o silêncio.

É tratar alguém como Pelé como se fosse um inimputável.

E é isso o que se vê nessa Copa do Mundo no Brasil.

Mas, talvez, isso seja inevitável, consequência natural do jeito de ser desse um certo Brasil.

Como sabemos, o Brasil parou, para na Copa do Mundo. Enlouquece, mal se trata de outro assunto. Nos dias de jogo, histeria, loucura, festas, porres memoráveis, lágrimas, drama, euforia…tudo que estamos vivendo.

Com tudo isso, pergunte-se ao acaso a brasileiros –e não apenas a jovens jornalistas- e a resposta virá, inescapável:

-Torço muito mais para o meu time do que para a seleção…não tô nem aí pra seleção…

Não faltarão, claro, milhões anunciando torcida pela Argentina, Uruguai, Holanda, Alemanha…e, claro também, todos farão de conta … acreditar nisso.

Resta uma questão: por que então o país para? Por que não se fala em outro assunto, pouco se respira, em quase nada milhões   pensam e discutem a não ser Copa e seleção?

Talvez porque uma das características de certas porções do Brasil seja uma extremado narcisismo. Um infindável olhar para o próprio umbigo, admirar-se o tempo todo.

Não por acaso o país que cultua o carnaval, que inventou o fio dental, que fez o mundo se curvar à brazilian wax, a depilação à brasileira.

Não por acaso esse um certo país que discute, ama e persegue barrigas de tanquinho e é um dos campeões mundiais de cirurgias plásticas, implantes e eteceteras.

No país onde o futebol se tornou uma representação cultural, de um modo de ser, a vitória pertence a cada um. A derrota é  vergonha que se deve ao Outro.

Isso ajuda a explicar a auto-avacalhação, o auto flagelo pré-copa de um certo Brasil.

Nada daria certo, tudo seria um caos, uma vergonha. Antes que o Outro, o Estrangeiro nos humilhe com seu olhar, façamos nós mesmos o serviço.

O mesmo nessa véspera de Brasil x Alemanha.

Sim, a Alemanha é, ou parece ser  favorita, por N fatores, todos conhecidos. Mas não a ponto de tantos disputarem o titulo de profetas, de arautos do desastre.

Uma coisa é o olhar crítico, imperioso principalmente no jornalismo, que tem nisso sua razão de ser. Outra é disputar a tapa o posto de Pai, ou Mãe, da derrota.

Por isso tudo, e muito mais, o vergonhoso silêncio imposto diante da magnífica, incomparável e lendária História de Pelé.

O Brasil, um certo Brasil, despreza e não merece Pelé.

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