Reflexões sobre a importância social e musical do estrondoso “To Pimp a Butterfly”
Por Licas Buzatti Do O Tempo
Nas duas últimas semanas, minha timeline foi invadida pelo rapper norte-americano Kendrick Lamar e seu recém-lançado “To Pimp a Butterfly”. “O disco novo do Kendrick é a coisa mais importante que aconteceu esse ano”, disse uma amiga no Facebook, logo após o álbum bater o recorde de streaming do Spotfy: no dia 16 de março, já havia sido reproduzido na íntegra 9,6 milhões de vezes. Ouvindo as canções, porém, percebi que a importância dessa nova joia do rap internacional vai além de “quebrar” a internet – e fui logo conversar com amigos especialistas sobre a importância social e estética do trabalho.
“A produção tem uma onda jazzy bem agressiva, que flerta com o free jazz. Não dá para dizer que é a primeira vez que isso é feito, mas em termos de produção, de timbres, é realmente diferente do que eu já havia conferido”, pontua Richard Garrell, DJ da festa Alta Fidelidade.
Pergunto a ele sobre os samples usados no álbum – Michael Jackson, Funkadelic, Tupac Shakur, entre outros clássicos. “Tem samples incríveis, mas acho que o mérito do disco não é sampling, e sim essa produção free jazz. É um lance do Flying Lotus, do Thundercat, que toca baixo no disco, e de um moleque super torto, o Knxwledge. Ele tem uma característica incomum, um lance Beatles, Radiohead, de fazer experimental pop. É estranho, mas acessível”, defende.
A opinião vai ao encontro com a do rapper carioca Thiago Elniño. “Ao mesmo tempo que você tem a produção do Pharell Williams, que é o grande nome pop atual, tem também a do Flying Lotus, um dos principais expoentes da vanguarda do rap. Kendrick dosa muito bem o fácil e o complexo”, pontua. Segundo Elniño, o mesmo vale para as letras, que têm forte carga de contestação política. “É um MC que tem um texto muito bom, mas que consegue dialogar com as classes populares. E ter um artista com alcance comercial mundial discutindo racismo abertamente é algo realmente muito simbólico. Abre caminho para muitos outros sentirem-se seguros para debater o assunto”, sublinha o músico, que também é estudante de pedagogia.
Richard Garrell defende que a canção “The Blacker the Berry” pode vir a ser um dos raps mais importantes da década. “A letra coloca o dedo na ferida, exprime o sentimento pós-Ferguson dos negros norte-americanos. E o som é um BomBap super anos 90, que ainda tem um mano do dancehall, o Assassin. É demais”, ressalta. As canções “I”, “Momma” e “Wesley’s Theory” também estão entre as favoritas do DJ.
Para Thiago Elniño, Kendrick Lamar mostrou coragem ao inserir no disco, de forma veemente, o discurso político de enfrentamento à desigualdade racial nos Estados Unidos. “Ele tinha duas opções: ou seguia a receita de sucesso do último disco ou se arriscava em novos caminhos. E escolheu a segunda, tanto no som quanto nas letras. É um disco que remete aos anos 90, quando os MCs tinham um discurso político, mas com uma sonoridade bem 2015. Acho que será trilha sonora de muitos levantes. Mas, como todo clássico, só vamos conseguir concluir isso daqui há alguns anos”, pondera.