Um episódio lamentável chamou minha atenção na semana passada. O apresentador Boris Casoy, um homem de reputação ilibada e de grande importância para a sociedade, considerado um dos jornalistas mais conceituados da TV brasileira, desferiu um duro golpe contra os garis no último dia do ano. Vejo que a manifestação elitista e preconceituosa dele não condiz com a liberdade de imprensa ou de expressão. No ar, mas sem querer que fosse divulgado, Boris Casoy disse que nós, os garis, somos “merda”. Sem saber que o áudio estava sendo transmitido, ele realizou um comentário pelas imagens passadas em seu próprio jornal. Dois garis, de forma gentil e humilde, desejaram feliz 2010 para todos. Foi o bastante para que Casoy realizasse o seguinte comentário: “Que merda: dois lixeiros desejando felicidades do alto da suas vassouras. O mais baixo na escala do trabalho”.
Penso na dignidade da pessoa humana, no sentido da vida e no que realmente somos e para onde todos vamos quando chegar nosso último minuto aqui na Terra. A primeira sensação que tive foi de humilhação frente aos meus filhos, parentes, vizinhos e amigos. Porque ainda sou e vou continuar sendo gari. Não é uma eleição para vereador, que é cargo passageiro, que mudará minha vida, minha origem e meus laços de amizade. O meu gabinete, vira e mexe, tem a presença e visita de garis. Portanto, não falo aqui com demagogia: sou gari. Permaneço fiel aos meus companheiros. Lutei e luto pelo plano de saúde, pelo plano de cargos e salários e pelo fim de perseguições e demissões sem direito de defesa de nossos companheiros.
E quando vejo um jornalista do gabarito de Boris Casoy externando seus comentários, sincera mente, fico chateado e indignado. Boris é um dos heróis que tive na imprensa, uma pessoa que me motivou a andar pelas ruas e repetir seu bordão: “Isto é uma vergonha!”. Considero você, Boris, ao lado de grandes nomes da televisão brasileira, como Jô Soares, Paulo Francis e Silvio Santos.
Acho que suas desculpas no dia seguinte foram simples frente à gravidade de seu comentário, que ficará registrado para sempre na internet. Acho que toda pessoa é vulnerável, passível de erro. E, sim, ainda continuo acreditando em Boris. Acrecido que ele é um ser em aperfeiçoamento, apesar de grande homem.
Mas como representante dos garis preciso desabafar e explicar para você, Boris, que tais expressões (“merda” e “lixeiro”) não podem representar seu caráter, caso contrário estaremos diante de um potencial criminoso, um racista com poder de emissão de informações, um sujeito individualista e hipócrita.
Falo em nome de todos que limpam essa sujeira produzida pela sociedade, que ainda está longe de ser civilizada quanto ao tratamento do lixo que produz. Não que seja melhor que os demais colegas. Acontece que ocupo cadeira na Câmara Municipal de Goiânia e tenho mais acesso aos meios de comunicação e informação. Por isso hoje mesmo ligarei para a TV Bandeirantes e pretendo falar com o apresentador, requisitando que aprimore seu espírito em evolução e peça desculpas com um grau maior de elaboração. Acredito que Boris não pode simplesmente pedir desculpas, como fez, e continuar sua vida normalmente. Deve estender suas reflexões, aprimorar seu espírito, direcionar sua atuação para comportamentos menos preconceituosos e integrar entidades da sociedade civil que lutam pela igualdade de direitos entre todos – sejam homossexuais, sejam deficientes físicos, negros ou garis.
Em sua manifestação monstruosa, Boris censurou internamente um direito dos garis expressarem “feliz 2010”. Quer dizer: o médico e a professora podem desejar um bom 2010 para todos, mas os garis não? Qual o problema com o gari, Boris? Não é gente? Não trabalha? Não desempenha sua função corretamente? As ruas estão, por acaso, sujas? Se explique melhor, querido.
Você merece o perdão do gari brasileiro. Mas deve se informar: não somos comedores de carniça nem estamos na última escala do trabalho. Porque, senhor jornalista, no Brasil vale é a lei. E a lei não escalona o trabalho humano. Realizamos a limpeza do planeta. Você nos informa. Garis existem nas ruas da África, da Europa ou Ásia. Se somos predestinados a limpar o mundo e você a informar, apenas cumprimos funções diferenciadas dentro da sociedade. Desejo ruas mais limpas, imprensa sem sujeiras e parlamento limpo. Quero ter minha consciência limpa e livre do materialismo que possivelmente motivou a infeliz reflexão. É isso, Boris, que desejo para você em 2010: prosperidade, saúde, riqueza e bom senso em seu trabalho.
Na medida em que assimilei as suas palavras na TV Bandeirantes senti um orgulho caloroso no peito. E jamais expressões como essas (‘lixeiro’, ‘baixo’, ‘merda’), que ouvimos nas ruas todos os dias, irão nos afetar. Somos fortes. Trabalhamos com o sol cortando nossa pele. Enfiamos a mão na matéria decomposta. Imploramos por um copo de água nas ruas. Mas acredito que nenhum gari vai se sentir menor por isso. E sabe o motivo, Boris? Porque existem garis com mestrado, doutorados e pessoas ainda mais qualificadas em estudo que você. Elas exercem com dignidade um trabalho que deveria ser motivo de orgulho para todos. Todos nós, com faculdade ou não, com respeito dos vizinhos ou não, somos trabalhadores honestos, vitoriosos por vencer uma prova de concurso público e dignos de termos nossa importância. O preconceito existe. E vamos lutar contra ele. Definitivamente, não é uma vergonha ser gari, Boris. Enfim, feliz 2010.
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Fonte: DM