Um movimento literário que brota do povo: a Favelofagia e o Bando Editorial

Autores das classes populares recebem suporte para produção e publicação em projeto que começa por Manguinhos

Do Fórum Rio 

De segunda a sexta, 14 escritores se encontram pela manhã para mais um dia de residência literária. Não estamos em Berkeley, Nova York ou Paris. O endereço é a Rua Doutor Luís Gregório de Sá, 46, na favela de Manguinhos, Rio de Janeiro. O projeto, que é realizado pelo Bando Editorial Favelofágico, fomenta a escrita e a publicação de autores das classes populares.

Iniciada no dia 13 de julho, a residência literária do Bando, chamada de Roendo a Machadadas, parte do ideal antropofágico para imediatamente subvertê-lo. “Oswald de Andrade dizia que a sua literatura era um biscoito fino para o povo consumir”, afirma Felipe Eugênio, um dos editores. “A favelofagia já comeu e digeriu o velho Oswald, queremos o povo escrevendo o seu próprio biscoito fino”, provoca.

A residência terá a duração de dois meses e articula uma dinâmica de provocações filosóficas com a escrita. A partir disso, o objetivo é que cada autor produza dois contos ao final do processo.

De segunda a quarta os escritores assistem oficinas e trabalham em seus textos, na quinta assistem ao curso “O universo do trabalho na literatura brasileira”, oferecido pelo professor Álvaro Marins. “Na sexta, perambulamos pelo Rio de Janeiro em busca de personagens e cenários para a nossa literatura”, explica Manu da Cuíca, coordenadora de formação do Bando.

Ao final do processo, os contos dos 14 residentes serão reunidos e publicados. “Mas não é só publicar e pronto”, lembra Brunna Arakaki, outra editora do grupo. “Vamos oferecer aos nossos residentes todo apoio editorial, desde revisão e copidesque até o acompanhamento da diagramação”, finaliza.

A Festa Literária virou baile funk

O planejamento editorial do Bando para este ano não se encerra com a publicação dos escritores residentes. Mais dois livros já estão sendo editados, um com a coletânea das peças do dramaturgo Geraldo Andrade, morador de Manguinhos e outro com as palestras do seminário organizado pelo grupo no início do ano.

Todos eles serão lançados no dia 24 de outubro no Baile Literário de Manguinhos. “O nosso objetivo também é digerir e subverter a ideia de festa literária”, afirma Flora Tarumim, produtora do Bando. “Em vez de uma festa bem-comportada, vamos fazer um pancadão literário”, desafia.

György Lukács, um dos maiores filósofos do século XX, no momento de uma de suas prisões, foi questionado se estava armado pelo policial. O filósofo respondeu afirmativamente com a cabeça e entregou a sua caneta.

“O Bando anda pesadão”, brinca Flora, referindo-se ao termo usado nas favelas para dizer que uma pessoa está portando muitas armas.

 

Foto: Brunna Arakaki

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