Uma classe média mais negra

Antes concentrados na base da pirâmide de rendimentos, os negros são 80% dos 35 milhões de pessoas que subiram socialmente, apontando para um país mais homogêneo

Por: Flávio Costa, Mariana Brugger e Natália Martino

 

Há dez anos, os cariocas Edilson Martins Pinto, 41 anos, e Vera Lúcia Nascimento, 42, começaram a namorar. Ele, um designer freelancer, e ela, psicóloga formada que trabalhava como atendente de telemarketing, viviam uma vida sem luxos e dependiam da ajuda dos pais, especialmente quando resolveram se casar. Dois anos depois, nasceu Nina e a situação apertou. As famílias deram o enxoval e compraram as fraldas da criança. Em poucos anos, tudo mudou. Quando Daniel nasceu, em 2010, o casal dispensou até o chá de bebê. A família de Edilson faz parte dos 80% dos negros que ascenderam à classe média segundo a pesquisa da Secretaria de Assuntos Estratégicos (SAE) da Presidência da República, divulgada na semana passada. No total, 35 milhões de brasileiros subiram para essa faixa social na última década.

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“Nós não tínhamos os luxos que temos. Já cortaram nossa luz por falta de pagamento quando nos casamos. Hoje, tenho quatro computadores, smartphone, duas televisões de LED, empregada doméstica e planejo até nossa primeira viagem internacional”, conta Edilson, que guarda dinheiro na poupança. Nina, 7 anos, estuda em uma boa escola particular e Daniel irá para a creche no ano que vem. Depois de driblar uma falência há cinco anos e montar uma empresa de design em 3D em casa mesmo, Edilson melhorou de vida e agora os vencimentos mensais da família somam R$ 4 mil, o que os deixa no topo da faixa intermediária definida pela SAE, cuja renda per capita varia de R$ 291 a R$ 1.019.

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A ascensão dos negros é um dos fenômenos mais importantes da nova classe média. Agora, eles são mais da metade dos integrantes dessa faixa social que há dez anos era 38% da população e hoje chega a 53%, ou 104 milhões de pessoas. É um grupo que detém uma massa de renda de R$ 680 bilhões. Desse total, R$ 352,9 bilhões são rendimentos de negros, quase o dobro do que os R$ 158,1 bilhões verificados há uma década. “A população negra era maioria absoluta da classe D e com a diminuição da desigualdade nos últimos anos é natural que ela tenha alcançado melhoras econômicas mais substanciais”, diz Renato Meirelles, sócio-diretor do Instituto de Pesquisas Data Popular, que subsidiou a pesquisa da SAE. Ao contrário do grupo de baixa renda que apenas tenta sobreviver, quem sobe para a classe média se preocupa com o futuro, em como manter os ganhos alcançados e em ascender mais. Eles começam a ter acesso a planos de saúde e investem em educação.

 

 

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A família Santos: antes os móveis eram reciclados.
Hoje eles têm casa própria, carro e computador

Estudante de pedagogia da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), a jovem Stephane Santos, 20 anos, ainda lembra dos dias difíceis da família que migrou de Minas Gerais para São Paulo em busca de oportunidades. No início, o pai, Josélio, 49 anos, sustentava a mulher, Maria Margarete, 45, e os filhos trabalhando como pedreiro. Sem dinheiro para comprar móveis, um suporte e uma tábua faziam as vezes de mesa, tudo era reciclado. “Ganhávamos da igreja uma cesta básica mensal e uma bolsa em um curso de informática para mim e para minha irmã”, lembra Sthefane. A casa própria era o grande sonho da família, mas naquele momento tratava-se de um desejo quase inalcançável. Esse cenário começou a mudar quando Margarete aprendeu o ofício de bordadeira e entrou no mercado de trabalho há sete anos.

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QUALIDADE
Edilson e Vera Lúcia decidiram colocar os filhos em escolas
particulares para que eles tenham acesso à boa educação

As meninas, ainda adolescentes, além de estudar, começaram a trabalhar com a mãe para complementar os rendimentos e então os sonhos começaram a se realizar. Com uma renda familiar de pouco mais de R$ 3 mil, hoje os Santos têm casa própria quitada, carro, computador, eletrodomésticos, vida cultural e viajam para Minas todo ano para ver os parentes. “Antes, só os visitávamos quando acontecia uma tragédia e eles nos enviavam dinheiro para a viagem. Agora viajamos para vê-los todo ano”, diz Stephane. João Elias, o caçula da família, 12 anos, talvez seja o maior beneficiado da bonança. “Ele não vai começar a trabalhar cedo como as meninas. Vamos investir na educação dele”, afirma, Maria Margarete.

Na década que passou, 6% da classe média ascendeu à alta. Com isso, a diversificação racial está chegando à elite, grupo do qual os baianos Rosana Paz, assessora parlamentar de 41 anos, e Nelson Oliveira, engenheiro de 43, fazem parte. Com dois carros na garagem e casa na praia, o casal prepara a viagem do filho de 14 anos à Disney nas férias. “Temos planos também de ir para Paris, que é um sonho do meu marido”, afirma Rosana, filha de uma lavadeira e de um guarda-civil que se formou em letras com a ajuda dos seis irmãos mais velhos. Diante dessas mudanças, a tendência, dizem os especialistas, é que o preconceito seja superado. “Não porque a discriminação vai diminuir, mas porque as pessoas vão perceber que se não tratarem bem esse grupo perderão uma parcela importante dos clientes para a concorrência”, afirma o antropólogo Reinaldo da Silva Soares, que defendeu uma tese de mestrado na Universidade de São Paulo (USP) sobre os negros na classe média.

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Colaborou Michel Alecrim
Fonte: Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República
Fotos: João Castellano, Rodrigo Castro – ag.istoé

 

 

Fonte: Istoé

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