Uma grande mulher

Minha mãe, como muitas outras mães deste país, fez das tripas coração para que os filhos tivessem direito a uma vida digna

Sexta-feira (25), foi o Dia da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha. A data celebra a resistência e o protagonismo das pretas e pardas. Trata-se de um convite à reflexão sobre o legado e a luta diária das mulheres negras por oportunidades, por igualdade e por Justiça —com J maiúsculo.

Internacionalmente, a data foi instituída em 1992 durante a realização do 1º Encontro de Mulheres Afro-Latino-Americanas e Afro-Caribenhas, na República Dominicana.

Cartaz em marcha que celebrou o Dia da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha em São Paulo – Bruno Santos – 25.jul.25/Folhapress

Nacionalmente, a data foi oficializada pela lei 12.987 de 2014 como Dia Nacional de Tereza de Benguela —líder do quilombo do Quariterê (MT) e símbolo da resistência ao colonialismo no século 18 —e da Mulher Negra.

Pessoalmente, a data será sempre o dia da morte da minha mãe, a dona Celi, uma mulher negra que nasceu no século passado, nos idos de 1940, na região metropolitana de Porto Alegre.

Celi era natural de Santo Antônio da Patrulha. De “pai desconhecido” —coisa que consta no RG da minha mãe e sempre me intrigou—, ficou órfã de mãe aos seis anos de idade. Por conta disso, foi criada como “escravinha doméstica” numa fazenda do RS até completar 14 anos, idade na qual foi enviada para a capital, para trabalhar como empregada doméstica.

Nunca colocou os pés numa escola para estudar. Isso, contudo, não a impediu de reconhecer muitíssimo bem o valor da educação. Acompanhou de perto todas as etapas de formação dos dois filhos. Lavando roupa “para fora”, limpando a casa dos outros e fazendo doces e salgados sob encomenda, garantiu o necessário para que eu e meu irmão tivéssemos acesso ao ensino superior numa época em que cotas raciais em universidades não eram sequer utopia.

Na sexta-feira passada, o Brasil perdeu uma grande mulher. Minha mãe, uma mulher negra, que como muitas outras mães deste país fez das tripas coração para que os filhos tivessem direito a uma vida digna.

Mãe, a ti dedico esta coluna. Te amo mais que o universo, ida e volta. Hoje e sempre, és e serás uma grande mulher. Até.


Ana Cristina Rosa – Jornalista especializada em comunicação pública e vice-presidente de gestão e parcerias da Associação Brasileira de Comunicação Pública (ABCPública)

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