“Hoje eu só vim agradecer por tudo que Deus me fez
Quem me conhece sabe o que vivi e o que passei
O tanto que ralei pra chegar até aqui
E cheguei, cheguei”
Ela chegou ao Rock in Rio! E no palco Mundo, o principal.
Para além de um show histórico da primeira artista preta do Brasil a se apresentar neste que é o principal festival internacional de música, com protagonismo absoluto de pessoas negras, do balé à técnica, a apresentação da Iza disse muito às mulheres negras pela mensagem simbólica de honrar as nossas mais velhas.
“A minha coroa me criou sozinha
Levantando sempre no raiar do dia, bem cedo
Sempre aprendi com ela
A ser grata pelo que ainda vem…”
Na letra da canção Fé há uma identificação, um eu coletivizado que aproxima vivências do ser mulher amefricana e compreender que olhar para trás é reverenciar as que vieram antes de nós,valorizar todo o caminho por elas pavimentado.
Ao levar sua mãe, dona Isabel Cristina, para o palco no momento apoteótico da apresentação, com direito a piano e o refrão de “No Woman, no cry”, exibi-la para milhões de expectadores, além do público presente, a cantora deixa uma mensagem simbólica: Quando uma mulher negra celebra uma conquista, chega a um lugar -antes inimaginável- de potência, enaltecer as que vieram antes é dar sentido à ética do cuidado, além de reconhecer tratar-se de uma vitória que não é individual, pessoal, meramente, mas de um matriarcado que não descansou para que as mais novas pudessem, enfim, conhecer benesses, se deliciar no banquete das conquistas.
É ainda a aplicação da justiça ancestral, afinal em meio a tantos apagamentos, silêncios, senso de incapacidade incutido em várias gerações pela máquina sofisticada do racismo, honrar as mais velhas, restituir-lhes humanidade é um dever e, ao mesmo tempo, a licença concedida para prosseguirmos altivas em nossos passos que vieram de tão longe.
Sem o caminhar da dona Isabel Cristina, não haveria uma estrela com a grandeza da Iza. Eis a alegoria dos dias de Glória após incontáveis dias, anos e séculos de luta das mulheres da diáspora, corpos sequer vistos e tratados em sua mulheridade.
Obrigada por este momento belíssimo em cada detalhe, do amoroso ao estético, Iza.
Josi Souza – Professora de História (Sec- BA), Mestra em Educação (PPGE-UEFS), militante feminista antirracista.
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