Uma reflexão sobre a posse de Blasio em Nova York e a família multirracial. Por Mônica Francisco

 

Mônica Francisco,

 

Em 13 de maio de 1988, o então senador da República, Afonso Arinos, por ocasião do centenário da abolição da escravatura, dizia: “os negros hoje vivem uma espécie de escravidão social”. Me aproprio desta parte do discurso para compartilhar algumas impressões e incômodos com vocês.

Desde que assisti na TV à posse do novo prefeito de Nova York, Bill de Blasio, fiquei pensando no quanto ainda estamos emperrados em um modelo patético e extremamente difícil no que se refere às possibilidades para se criar condições potentes para que a escravidão social mencionada por Arinos seja de fato erradicada no Brasil de uma vez por todas. Sei que a instituição das cotas, como ação afirmativa, tem sido um grande aliado nesta luta. Não sei quais as outras ações. Confesso, só conheço as cotas. Afinal, o que fazer com este mal que, como uma doença resistente, nos aflige e molesta.

 

O evento de posse em Nova York me confrontou. Em dias de decretos bárbaros e de medidas estranhas de confisco de menores em ônibus com direção às áreas mais abastadas da cidade para evitar a violência e assaltos, apreensão de menores negros em shoppings por estarem dando um “rolezinho”, controle militar em áreas de moradia de maioria de cidadãos(ãs) negros(as), gentrificação, déficit habitacional e ausência significativa de representação nas mídias configuram um sucesso de segregação, racismo e aniquilação social de um grupo racial inteiro, com direito à criminalização das culturas decorrentes deste grupo.

Em dias como estes, ligar a televisão e ver aquela família, e aqueles cabelos, em uma das cidades mais importantes dos Estados Unidos e que é referencial internacional; uma cidade do mundo, cosmopolita por natureza e criadora de tendências; em um país que amargou uma das maiores batalhas contra a segregação racial e que ainda convive com um racismo claro e muitas questões delicadas no que se refere ao tratamento dado aos imigrantes, nos faz corar diante da família de Blasio.

 

Uma reflexão sobre a posse de Blasio em Nova York e a família multirracial

 

 

Aquela não é a família que alguns brasileiros gostariam ou se alegrariam em ver no comando de suas cidades, estados ou quem sabe do país, assim como os Obama da Casa Branca. A “boa aparência”, o cabelo “alinhado”, nos persegue. O jovem com um black digno do Panters seria alvo certeiro dos guardiões da ordem, porque aquele cabelo, sempre ele, por muitas vezes não condiz com a imagem de alguém respeitável.

Não me interessa neste momento a trajetória política de Blasio, se ele é apenas um burocrata, ou um democrata de gabinete sem muita expressão, ou ainda se não foi muito eficaz na mudança da situação dos imigrantes na administração do bairro do Brooklin. Para mim, a figura de sua família multirracial me provoca. Me faz repensar e entender que precisamos empreender de fato uma guerra contra o racismo e a escravidão social no Brasil.

Qual o lugar deste grupo ou destas pessoas? São compradores, trabalhadores e estudantes que fazem mover este país. Em que lugar estão? Não nos comerciais das famílias felizes ou dos bancos. E estas pessoas fazem transações bancárias. Permitimos até que o país mostrasse para o mundo de forma mais descarada a cara que esquizofrenicamente o país pensa ter no sorteio das chaves da Copa de 2014. Enquanto nos EUA, ocupam os cargos mais importantes da nação  e cidade mais importante do mundo.

Que as famílias Obama e  de Blasio nos provoquem, nos inquietem. Já que as mortes as violências, a segregação, a discriminação, as péssimas condições da educação, o péssimo atendimento no sistema de saúde e a falta de uma política séria de habitação ainda não conseguiram incomodar.

Estou assim, recorrente. Talvez seja a influência da poeta mineira Carolina Maria de Jesus, apresentada a mim por uma amiga, que dizia: “Ninguém vai apagar as palavras que eu escrevi”. Ela também dizia que o Brasil devia ser dirigido por alguém que já passou fome. Pois bem, já tivemos. Agora, precisamos de alguém que seja humano em tal nível que consiga nos alimentar com justiça social.

“A nossa luta na favela é todo dia e toda hora. Favela é cidade. Não à gentrificação e a REMOÇÃO!!”

*Representante da Rede de Instituições do Borel, Coordenadora do Grupo Arteiras e Licencianda em Ciências Sociais pela UERJ.

 

 

Fonte: Jornal do Brasil

 

 

 

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