Unaids e agências internacionais lançam campanha mulheres e direitos

No vídeo, ao fundo, a comunidade simples. Uma mulher negra aparece em primeiro plano contando que sua mãe apanhou do pai durante dez anos. “Ela era muito bonita, por isso ele marcava o rosto dela”. Em outro depoimento, um rapaz relata que seu pai chegava em casa embriagado e “punha todo mundo pra fora, só para bater na gente. Depois quebrava tudo, não sobrava nada!” Em mais uma história triste ,que aperta o coração de quem está assistindo o vídeo, uma mulher diz que tem aids há 28 anos. “Peguei do meu pai que me estuprava desde que eu tinha sete anos. Minha mãe perguntou por que eu não contei? Mas meu pai, com uma faca me ameaçava e dizia que seu eu falasse, mataria a mim e a minha mãe”.

Todos os relatos acima foram baseados em fatos reais. Trata-se do do eixo “Violência e HIV”, segunda edição da campanha Mulheres e Direitos no Brasil, lançada nessa terça-feira, 10 de outubro, no Salão Nobre da Câmara dos Deputados, em Brasília, com a presença de autoridades e representantes da sociedade civil.

Com o objetivo principal de contribuir para a conscientização da população brasileira sobre redução da violência contra a mulher e com a promoção da equidade de gênero e da saúde feminina, o evento contou com divulgação dos spots de rádio, folder, DVDs, painéis de pano e filmes para TV que farão parte da campanha. O material estará disponível em português, inglês, espanhol e, pela primeira vez, também em tikuna – idioma indígena falado por mais de 30 mil pessoas no Brasil.

Um estudo realizado pela iniciativa Amazonaids, iniciativa da ONU e governo brasileiro, na área indígena do Alto Solimões e Vale do Javari, examinou mais de 20 mil indígenas. Foi encontrada uma taxa de prevalência de sífilis de 2,3% e de HIV de 0,13%.

“A campanha é o resultado do esforço conjunto de várias agências em parceria com a União Europeia e com o governo brasileiro”, destacou Pedro Chequer, coordenador do Unaids (Programa Conjunto das Nações Unidas para o HIV e Aids) no Brasil. “De modo similar à violência homofóbica, a violência contra a mulher é inaceitável e deve ser coibida. Além de violar direitos humanos básicos, em ambas as circunstâncias, é fator acrescido de vulnerabilidade à infecção pelo HIV. A existência de norma legal é necessária, mas não suficiente para que se possa alcançar um ambiente social favorável; é imprescindível a mobilização de modo permanente de toda a sociedade com vistas ao alcance desse objetivo”, disse também Chequer.

O coordenador do Unaids afirma também que a ideia de traduzir a campanha para a língua indígena tikuna foi tomada na perspectiva de respeito aos direitos de cidadania. “Os povos indígenas devem ser cada vez mais objeto de respeito cultural e pleno exercício do direito à informação em seu próprio idioma. Materiais educativos em HIV também vêm sendo elaborados pela UNESCO em outros idiomas de povos indígenas do Alto-Solimões”, lembra Chequer.

 

O governo do Brasil informa oficialmente que mais de 630 mil pessoas vivem com HIV/Aids no País. A cada cinco minutos, uma mulher é agredida ; a cada duas horas, uma mulher é assassinada. Em 80% dos casos, o agressor é o marido, companheiro ou namorado.

O eixo Violência e HIV conta também com apoio do Fundo de População das Nações Unidas (Unfpa), a ONU Mulheres – a Entidade das Nações Unidas para a Igualdade de Gênero e o Empoderamento das Mulheres.

A campanha contou com o apoio da Presidência da Câmara dos Deputados para seu lançamento. “Vamos divulgar este material em todos os meios que temos acesso”, garantiu o deputado Jorge Tadeu Mudalen (DEM-SP), representando a presidência da Câmara durante o evento.

Inspirados em casos reais, foram criados três filmes para divulgação: o mais longo com 2 minutos de duração e os outros dois, com 27″ e 30″. O filme de 2 minutos é mais abrangente, mostrando situações conceituais e depoimentos alternados de mulheres e homens. Nos filmes de menor duração, os enfoques são separados por gênero. Os áudios dos filmes também foram adaptados para veiculação em rádio.

Depois de destacar que a campanha é co-financiada pelo Instrumento Europeu para a Promoção da Democracia e os Direitos Humanos (IEDDH), a expressão mais visível do compromisso da União Europeia com a promoção e proteção dos direitos humanos, a Embaixadora Ana Paula Zacarias, Chefe da Delegação da União Europeia no Brasil, afirmou que em 2011 deu-se prioridade à luta contra a violência às mulheres, às crianças e adolescentes, e às populações vulneráveis, entre as quais as populações indígenas.

“A nossa maior preocupação foi desenhar uma campanha que tivesse impacto local, chegando às comunidades mais afastadas e carentes, salientando os aspetos transversais da violência contra a mulher, como as doenças sexualmente transmissíveis, notadamente o HIV/aids”, disse. “Este tipo de ação conjunta e direcionada se torna imprescindível no âmbito do combate à violência de gênero”, acrescentou.

A embaixadora lembrou que a crise que existe atualmente na Europa não afeta os valores do continente. “Juntos teremos mais força para divulgar. Existe a crise econômica, mas temos valores, entre eles o da solidariedade. Não temos uma crise de valor, por isso estamos felizes em participar deste processo”, comentou.

Além do folheto informativo, que será distribuído para todos os estados brasileiros, a campanha Mulheres e Direitos inovou ao criar, imprimir e produzir mil painéis em pano com mensagens em português para divulgação. O projeto conta ainda com uma tiragem de 200 painéis de pano na língua tikuna.

folder

A Ministra da Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres, Eleonora Menicucci, ressaltou em seu discurso uma saudação especial para as mulheres que se infectaram com o vírus da aids. “Vocês merecem todo nosso carinho, admiração e respeito. Queremos, neste ato, aprofundar e consolidar as ações que o governo da primeira mulher eleita presidenta do Brasil realiza, em respeito aos Direitos Humanos para as mulheres”, comentou.

Sobre a violência contra a mulher

“A campanha Mulheres e Direitos é uma resposta ao desafio da violência contra a mulher, que persiste no nosso cotidiano como a face mais visível e perversa das desigualdades de gênero. Podemos e devemos contribuir para a construção de novas masculinidades, onde as diferentes formas de violência não sejam usadas pelos homens como instrumento de poder. Todas as mulheres e meninas têm direito a uma vida livre de violência e todos os homens e meninos podem ser educados a agir e a pensar diferente. Esperamos que a campanha estimule a reflexão e a mudança de atitudes e práticas”, disse Harold Robinson, representante do UNFPA no Brasil.

Violência é o ato de agressão e mesmo a omissão que causa sofrimento físico ou psicológico à vítima. A violência contra a mulher pode acontecer em qualquer lugar, na rua ou em casa, no espaço público ou no espaço doméstico, e pode atingir mulheres dentro e fora da família. A violência contra a mulher não é praticada somente por meio de agressão física, como tapas, socos, pontapés, chutes, etc. Existe também violência psicológica, moral, patrimonial e sexual.

A violência sexual pode ocasionar gravidez indesejada e abortos espontâneos, aumentando o risco de infecção por doenças sexualmente transmissíveis e pelo HIV. A violência ou mesmo o medo da violência contra a mulher aumenta sua vulnerabilidade à infecção pelo HIV/Aids e outras doenças sexualmente transmissíveis. O temor de sofrer violência pode fazer com que a mulher se submeta a relações sexuais desprotegidas.

A violência contra a mulher produz consequências emocionais devastadoras, muitas vezes irreparáveis, e impactos graves sobre a saúde mental sexual e reprodutiva da mulher.

Quando a violência é praticada em casa, por familiares, por pessoas que convivem no mesmo ambiente doméstico – mesmo que não sejam parentes (ex. agregados, hóspedes, etc.) – ou pelo marido, companheiro ou companheira, a mulher agredida terá a proteção da Lei 11.340, que ficou conhecida como “Lei Maria da Penha”.

“No Brasil, uma em cada cinco mulheres já foi vitima de violência de gênero. De 1997 a 2007, mais de 41 mil mulheres foram assassinadas. Entretanto, não há estatísticas confiáveis disponíveis. Com a Lei Maria da Penha, o governo brasileiro deu um importante passo, mas o sistema de justiça brasileiro reconhece de forma irregular a gravidade da violência doméstica e familiar. Apenas um terço dos casos que chegam aos tribunais é condenado, e a impunidade ainda é um problema crítico. Por isso precisamos trabalhar continuamente para conscientizar a sociedade sobre a importância de erradicar a violência contra as mulheres e de proteger os direitos de todas as mulheres brasileiras”, diz Rebecca Tavares, Representante e Diretora Regional da ONU Mulheres Brasil e Cone Sul.

No final da cerimônia, Diruem, da etnia Tikuna, cantou em sua língua, o Hino Nacional. Ela disse que em sua aldeia que fica na fronteira do Brasil com Colômbia e o Peru, a violência contra as mulheres é estimulada pelo uso de álcool e drogas. “Por lá muitas mulheres se empolgam e não sabem nem como se prevenir”.

Mais um retrato da realidade do cotidiano que vivem as mulheres no mundo e no Brasil. Daí a importância de iniciativas como esta.

Roseli Tardelli, de Brasília

A editora executiva da Agência de Notícias da Aids esteve presente ao evento a convite do Unaids

Acesse aqui a cartilha da campanha.

DICAS DE ENTREVISTA:

Jacqueline cortes – UNAIDS
E-mail: [email protected]
Tel.: (0XX61) 30389221

Gisele Netto – ONU Mulheres
E-mail: [email protected]
E-mail: (0XX61) 30389287

Ulisses Lacava – UNFPA
E-mail: [email protected]
Tel.: (0XX61) 30389246

Humberto Netto- União Europeia no Brasil
E-mail: [email protected]
Tel.: (0XX61) 21043119

 

 

Fonte: Agência Aids

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