Vencer a culpa e o medo: Para sair da violência doméstica

Foi olhando para dentro que me conheci, e encontrei um caminho para sair da violência doméstica que era meu casamento. Não tenho medo de mudanças, de transformações. A vida me ensinou que não é perigoso olhar para dentro de mim. É muito mais perigoso não olhar”- Fátima Jacinto

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Por: Fátima Jacinto ( http://fatimajacinto.com.br )

Se existe um sentimento que é totalmente irracional e que nos leva a cometer todo tipo de desatino, esse sentimento é o medo. Quando sentimos medo agimos irracionalmente sem sabermos o que está nos levando a agir.

Essa é nossa parte sem razão, só emoção. É o medo, por exemplo, que nos mantém grudadas em uma situação que não desejamos. Ficamos porque sentimos medo do julgamento da sociedade onde achamos que estamos inseridas, medo do julgamento de nossas famílias, medo de nosso agressor, medo que a justiça seja feita. Sabemos de experiências amargas que passamos, o quanto é fácil manipular provas e situações, contra nós.

Sentimos uma culpa tamanha por ainda estarmos vivendo uma situação agressiva, de estarmos colocando nossos filhos em risco físico, risco psicológico. Temos absoluta noção de que fomos nós que escolhemos o pai de nossos filhos, essa é uma responsabilidade apenas nossa, falhamos nessa escolha tão importante, escolhemos alguém para vivermos juntos uma vida toda, era um planejamento a longo prazo, um planejamento onde estava inserida a alegria de uma família perfeita, de crianças alegres e bem educadas…

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Bem, infelizmente nossos planos estão tendo que ser revistos, e com urgência. Hoje temos consciência que o que era para a vida toda, venceu bem antes do tempo.

No lugar do sonho de uma vida inteira, hoje temos a realidade de alguém violento, péssimo exemplo para nossos filhos. E muito comum que os agressores sejam também pessoas devassas, sem escrúpulos em mentir, em tripudiar, em manipular fatos.

E infelizmente tudo isso nos enche de vergonha e medo do julgamento social e familiar o que nos mantém com os nossos lábios colados, nossos pés grudados no chão e nossa cabeça baixa.

E cada vez mais vamos nos afundando no mar de lama que criamos quando pensávamos estar criando um lindo “comercial de margarina”. Clamamos em nosso intimo por uma mão salvadora para nos arrastar desse mar de lama.

Eu me lembro de que, quando vivia essa situação caótica, eu não queria me separar, tinha medo de não dar conta de criar meus filhos sozinha (absurdo! era eu que mantinha a casa), mas a agressão emocional e psicológica realmente funciona. E os agressores sabem disso, não se iluda.

Tudo o que eu realmente queria é que uma mão salvadora resolvesse o meu problema, alguma espécie de fada magica, que chegasse para o monstro do meu marido e dissesse: “Olha a Fátima é uma excelente mulher, uma coitada que trabalha o dia todo, sustenta sua casa, seus filhos, e ainda deixa sobrar algum para você gastar em suas farras, essa mulher te ama, é uma excelente mãe, levanta de madrugada para fazer bolo, quitandas, e deixar tudo organizado, para que nada falte a você e a seus filhos, uma ótima dona de casa. Você tem que parar de humilhá-la, de espancá-la, de fazê-la sofrer e reconhecer tudo isso que ela é para você, reconhecer que ninguém vai fazer tudo o que ela faz para viver ao seu lado, uma companheira tão boa, tão prendada, tão amorosa… Mude, entenda o quanto ela é boazinha e te ama”.

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Olha, pode até parecer cômico hoje, mas esse era o meu maior desejo, eu queria uma família feliz de comercial de margarina mesmo. Queria que meus filhos fossem criados perto do monstro do pai deles, não queria de nenhuma forma ser uma mulher separada para minha família, sabia tudo o que isso significava para eles.

Eu me sentia segura em ter um “marido”… Hoje quando me lembro disso acho tudo muito cômico mesmo, mas eu sofri muito até mudar minha cabeça e minha vida. Foram 12 longos anos de humilhação e espancamento. E tudo o que vem junto no pacote.

Eu sei que esse é o desejo de centenas, se não milhares de mulheres que estão vivendo agora uma situação semelhante a essa, esse é sem nenhuma dúvida o desejo de toda mulher que chega a uma delegacia pela primeira vez para registrar uma ocorrência, ela não quer de nenhuma forma ver na cadeia o homem com quem ela vive, o pai de seus filhos, o homem com quem ela sonhou em construir uma vida juntos. Ela quer que o delegado ou delegada resolva o seu problema, porque todas as outras portas já lhe foram fechadas. Afinal, vamos combinar, não é fácil observar tamanha loucura.

Os laços que prendem a mulher a seu agressor são fortes. A mesma mão que agride é a que nos dá prazer. Quem nos humilha, nos deu a sublime alegria de sermos mães, todos os nossos sonhos mais íntimos e preciosos estão ligados ao agressor, tudo em nossa vida foi alicerçado no agressor.

Abandoná-lo significa assumir publicamente que falhamos como mulheres, como mães, como esposas, como pessoas. E na sociedade em que vivemos o peso do julgamento é muito grande para alguém que já está totalmente dilacerada, humilhada, sem chão literalmente.

É por isso que muitas de nós escolhem perder a vida, escolhem o silêncio, não têm como julgar quem faz essa escolha. Porque fazer a outra escolha, a escolha da liberdade, é tremendamente assustadora, é tão ou mais difícil do que a escolha de ficar e sofrer todas as consequências. São, ambas as escolhas, extremamente dolorosas e, sem a menor dúvida, seja lá qual for a sua escolha, você terá que faze-la sozinha.

Sair significa também de início rastejar no mundo emocional, de início vamos passar por todo tipo de turbilhão e confusão, tanto no nível emocional como no nível físico e material. No fim das contas não conseguimos nem entender como conseguimos, mas todas nós que saímos sabemos que essa é sem duvida a única opção que nos dará orgulho de olharmos para trás e sabermos que “Eu venci”.

É essa a diferença. Quando decidimos sair estamos optando pela vida, pelo amor a nossos filhos. Estamos escolhendo deixar para trás uma vida de agressão, de dor, de humilhação, onde nossa estima era abaixo de zero. Escolhemos principalmente sermos responsáveis e livres, para fazermos novas escolhas, com uma experiência tremenda do que não mais queremos em nossa vida.

Isso não significa que se escolhermos sair vamos ser felizes para sempre. Significa apenas que seremos inteiras, integrais, que vamos andar de cabeça erguida, porque vencemos a guerra com a sociedade e com nossa família, e muitas vezes até com a justiça.

As que optam por ficar, estão escolhendo continuar sendo boazinhas, e um dia seus filhos iram lembrar disso… Ou não. Temos apenas duas escolha a fazermos: ou seremos felizes ou seremos boazinhas.

Um beijo em sua alma.

Fonte: Brasil 247

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