Viriato da Cruz

Porto Amboim, Angola, 1928 – Pequim, China, 1973. Foi um dos mentores do Movimento dos Novos Intelectuais de Angola (1948) e da revista Mensagem (1951-1952). Foi membro-fundador e secretário-geral do MPLA. Dissidente deste movimento, esteve exilado em Portugal e noutros países europeus, fixando-se posteriormente na China.

Viriato da Cruz teve grande importância no desenvolvimento da literatura angolana, caracterizando-se a sua obra pelo apego a certos valores africanos, quer quanto à temática, quer quanto à forma. A sua produção está dispersa por publicações periódicas e representada em várias antologias, das quais uma – No Reino de Caliban – reúne a sua obra poética. Obra Poética: Poemas, 1961, Lisboa, Casa dos Estudantes do Império. ________________________________________

Mamã negra (canto da esperança) (À memória do poeta haitiano Jacques Roumain)

Tua presença, minha Mãe – drama vivo duma Raça, Drama de carne e sangue Que a Vida escreveu com a pena dos séculos!

Pela tua voz Vozes vindas dos canaviais dos arrozais dos cafezais [dos seringais dos algodoais!… Vozes das plantações de Virgínia dos campos das Carolinas Alabama Cuba Brasil… Vozes dos engenhos dos bangüês das tongas dos eitos [das pampas das minas! Vozes de Harlem Hill District South vozes das sanzalas! Vozes gemendo blues, subindo do Mississipi, ecoando [dos vagões! Vozes chorando na voz de Corrothers: Lord God, what will have we done – Vozes de toda América! Vozes de toda África! Voz de todas as vozes, na voz altiva de Langston Na bela voz de Guillén…

Pelo teu dorso Rebrilhantes dorsos aso sóis mais fortes do mundo! Rebrilhantes dorsos, fecundando com sangue, com suor [amaciando as mais ricas terras do mundo! Rebrilhantes dorsos (ai, a cor desses dorsos…) Rebrilhantes dorsos torcidos no “tronco”, pendentes da [forca, caídos por Lynch! Rebrilhantes dorsos (Ah, como brilham esses dorsos!) ressuscitados em Zumbi, em Toussaint alevantados! Rebrilhantes dorsos… brilhem, brilhem, batedores de jazz rebentem, rebentem, grilhetas da Alma evade-te, ó Alma, nas asas da Música! ..do brilho do Sol, do Sol fecundo Imortal e belo…

Pelo teu regaço, minha Mãe, Outras gentes embaladas à voz da ternura ninadas do teu leite alimentadas de bondade e poesia de música ritmo e graça… santos poetas e sábios…

Outras gentes… não teus filhos, que estes nascendo alimárias semoventes, coisas várias, mais são filhos da desgraça: a enxada é o seu brinquedo trabalho escravo – folguedo…

Pelos teus olhos, minha Mãe Vejo oceanos de dor Claridades de sol-posto, paisagens Roxas paisagens Dramas de Cam e Jafé… Mas vejo (Oh! se vejo!…) mas vejo também que a luz roubada aos teus [olhos, ora esplende demoniacamente tentadora – como a Certeza… cintilantemente firme – como a Esperança… em nós outros, teus filhos, gerando, formando, anunciando – o dia da humanidade

Rimance da menina da roça A menina da roça está no terreiro cosendo a toalhinha pró seu enxoval… – ” Que céu tão lindo!, e o encanto da mata!… Ai, tanta beleza no cafezal…”

A menina da roça terá poesia terá poesia nos olhos de mel?

A menina da roça chega à janela e na estrada branca a vista alonga… – “É o carro a vir?” Não… é o bater compassado do aço de enxadas dos negros na tonga…

A menina da roça tem é um namoro tem um namoro com um motorista

A menina da roça veio à varanda e os olhos erra no verde à toa – “Está ele a chegar?!” Ah… são negros pilando dendém para azeite na grande canoa

(Prucutum, lá do telheiro,vai chamar o meu amor)

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A menina da roça acorda à noite ouviu um barulho na escuridão – “O carro chegou!…” Oh… é o pulsar apressado do seu coração

(Por que bates tão depressa, coração alucinado? Coração alucinado, espera que o dia amanheça)

– “Já viu a minina?…” “Hem… tem cor marela do mburututu…” – “E não come nem nada…” – “E os olhos de mel tão-se afundar num lago azul que faz sonhar…” Conversam as negras à boca apertada (minha dor, ninguém a saiba – não há peito em que ela caiba)

A menina da roça escuta dorida a triste canção que vem do rio

Que vem do rio? – Que vem do peito: baixinho, lá dentro, chora de amor o coração.

Menina da roça – águas do rio saudades da fonte… desejos de amar. Serão de menino Na noite morna, escura de breu, enquanto na vasta sanzala do céu, de volta de estrelas, quais fogaréus, os anjos escutam parábolas de santos…

na noite de breu ao quente da voz de suas avós, meninos se encantam de contos bantos…

“Era uma vez uma corça dona de cabra sem macho…

… Matreiro, o cágado lento tuc… tuc… foi entrando para o conselho animal… (“- Tão tarde que ele chegou!”) Abriu a boca e falou – deu a sentença final: “- Não tenham medo da força! Se o leão o alheio retém – luta ao Mal! Vitória ao Bem! tire-se ao leão, dê-se à corça.”

Mas quando lá fora o vento irado nas fresta chora e ramos xuaxalha de altas mulembas e portas bambas batem em massembas os meninos se apertam de olhos abertos: – Eué – É casumbi…

E a gente grande – bem perto dali feijão descascando para o quitande- a gente grande com gosto ri…

Com gosto ri, porque ela diz que o casumbi males só faz a quem não tem amor, aos mais seres buscam, em negra noite, essa outra voz de casumbi essa outra voz – Felicidade…

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Makèsú

– “Kuakié!… Makèzú…”

O pregão da avó Ximinha É mesmo como os seus panos Já não tem a cor berrante Que tinha nos outros anos.

Avó Xima está velhinha Mas de manhã, manhãzinha, Pede licença ao reumático E num passo nada prático Rasga estradinhas na areia…

Lá vai para um cajueiro Que se levanta altaneiro No cruzeiro dos caminhos Das gentes que vão p´ra Baixa.

Nem criados, nem pedreiros Nem alegres lavadeiras Dessa nova geração Das “venidas de alcatrão” Ouvem o fraco pregão Da velhinha quitandeira.

– “Kuakié!… Makèzú, Makèzú…” – “Antão, véia, hoje nada?” – “Nada, mano Filisberto… Hoje os tempo tá mudado…”

– “Mas tá passá gente perto… Como é aqui tá fazendo isso?”

– “Não sabe?! Todo esse povo Pegô num costume novo Qui diz qué civrização: Come só pão com chouriço Ou toma café com pão…

E diz ainda pru cima (Hum… mbundu Kene muxima…) Qui o nosso bom makèzú É pra véios como tu.”

– “Eles não sabe o que diz… Pru qué Qui vivi filiz E tem cem ano eu e tu?”

– “É pruquê nossas raiz Tem força do makèzú!…” (No reino de Caliban II – antologia panorâmica de poesia africana de expressão portuguesa) Sô Santo Lá vai o sô Santo… Bengala na mão Grande corrente de ouro, que sai da lapela Ao bolso… que não tem um tostão.

Quando sô Santo passa Gente e mais gente vem à janela: – “Bom dia, padrinho…” – “Olá!…” – “Beçá cumpadre…” – “Como está?…” – “Bom-om di-ia sô Saaanto!…” – “Olá, Povo!…”

Mas por que é saudado em coro? Porque tem muitos afilhados? Porque tem corrente de ouro A enfeitar sua pobreza?… Não me responde, avó Naxa?

– “Sô Santo teve riqueza… Dono de musseques e mais musseques… Padrinho de moleques e mais moleques… Macho de amantes e mais amantes, Beça-nganas bonitas Que cantam pelas rebitas:

‘Muari-ngana Santo dim-dom ualó banda ó calaçala dim-dom chaluto mu muzumbo dim-dom…’

Sô Santo…

Banquetes p´ra gentes desconhecidas Noivado da filha durando semanas Kitoto e batuque pró povo cá fora Champanha, ngaieta tocando lá dentro… Garganta cansado:

‘coma e arrebenta e o que sobra vai no mar…’ Hum-hum Mas deixa… Quando Sô Santo morrer, Vamos chamar um Kimbanda Para ngombo nos dizer Se a sua grande desgraça Foi desamparo de Sandu Ou se é já própria da Raça…”

Lá vai… descendo a calçada A mesma calçada que outrora subias Cigarro apagado Bengala na mão… … Se ele é o símbolo da Raça ou a vingança de Sandu…

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Namoro

Mandei-lhe uma carta em papel perfumado e com a letra bonita eu disse ela tinha um sorrir luminoso tão quente e gaiato como o sol de Novembro brincando de artista nas acácias floridas espalhando diamantes na fímbria do mar e dando calor ao sumo das mangas. sua pele macia – era sumaúma… Sua pele macia, da cor do jambo, cheirando a rosas tão rijo e tão doce – como o maboque… Seu seios laranjas – laranjas do Loge seus dentes… – marfim…

Mandei-lhe uma carta e ela disse que não. Mandei-lhe um cartão que o Maninjo tipografou: “Por ti sofre o meu coração” Num canto – SIM, noutro canto – NÃO E ela o canto do NÃO dobrou.

Mandei-lhe um recado pela Zefa do Sete pedindo rogando de joelhos no chão pela Senhora do Cabo, pela Santa Ifigénia, me desse a ventura do seu namoro… E ela disse que não.

Levei à avó Chica, quimbanda de fama a areia da marca que o seu pé deixou para que fizesse um feitiço forte e seguro que nela nascesse um amor como o meu… E o feitiço falhou.

Esperei-a de tarde, à porta da fábrica, ofertei-lhe um colar e um anel e um broche, paguei-lhe doces na calçada da Missão, ficamos num banco do largo da Estátua, afaguei-lhe as mãos… falei-lhe de amor… e ela disse que não.

Andei barbado, sujo, e descalço, como um mona-ngamba. Procuraram por mim ” – Não viu…(ai, não viu…?) Não viu Benjamim?” E perdido me deram no morro da Samba.

E para me distrair levaram-me ao baile do sô Januário mas ela lá estava num canto a rir contando o meu caso às moças mais lindas do Bairro Operário

Tocaram uma rumba dancei com ela e num passo maluco voamos na sala qual uma estrela riscando o céu! E a malta gritou: “Aí Benjamim!” Olhei-a nos olhos – sorriu para mim pedi-lhe um beijo – e ela disse que sim.

Poemas escolhidos por: Profª Neide Carvalho

Da Escola Escola Estadual Prof. Almeida Junior

Jardim Esmeralda – São Paulo

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