Como uma mulher afro-estadunidense e nigeriana de segunda geração, morar no Brasil me mostrou que o racismo não é apenas um fenômeno dos EUA. Eu vivi no Rio de Janeiro por muitos meses entre 2010 e 2012 para conduzir entrevistas com casais interraciais negro-branco para meu livro de 2019, Boundaries of Love: Interracial Marriage and the Meaning of Race (NYU Press). Examinando as minhas anotações do trabalho de campo e os memorandos de pesquisa, pude perceber as inúmeras maneiras pelas quais o racismo à brasileira afetou minha estadia nesta cidade.
Eu morava em um apartamento que dividia com outras três mulheres no bairro de classe média do Flamengo. Este é um bairro predominantemente branco a algumas quadras da famosa praia de Copacabana. Um dia, ao entrar no elevador onde moro, uma mulher saia do prédio. Ela tinha cerca de 1,62m e a pele da cor de um saco de papel, com cabelos escuros alisados e óculos grandes. Trocamos a típica saudação de “boa tarde” quando ela entrou no elevador.
Enquanto o elevador descia, ela se virou para mim e perguntou:
- “Você mora aqui ou você vem todos os dias?”
Eu respondi:
- “Eu moro aqui”.
Ela ficou em silêncio por um momento enquanto olhava para mim e repetia a pergunta no mesmo tom de voz.
- Você mora aqui ou você vem todos os dias?
Repeti minha resposta anterior.
- “Por que eu viria aqui todos os dias?”
Achei estranho que ela não tivesse me perguntado se eu estava visitando uma amiga, mas se eu ia todos os dias. Ela ficou em silêncio novamente por um momento e então disse:
- “Você não é daqui, é?”.
- “Não”, respondi.
- “De onde você é?”
- “Dos Estados Unidos”, respondi.
Então ela começou a falar sobre o tempo e como o Rio estava atípicamente frio para aquela época do ano. No entanto, em momento algum respondeu minha pergunta.
Minha pele negra inequívoca era um sinal para ela de que eu era uma doméstica. Mesmo tendo uma colega de quarto negra, era inconcebível que alguém como eu pertencesse a um espaço de classe média. Para mim, tenho o rosto de uma pessoa africana, mas para ela, tenho o rosto de alguém destinado a trabalhar para brancos e brancos adjacentes como ela.
No dia-a-dia, situações como essas revelam uma associação entre raça e espaço vivenciada no cotidiano do brasileiro por meio de comentários aparentemente inócuos. No entanto, essa é a supremacia branca da qual os brasileiros se valem para assassinar pessoas como João Alberto Silveira Freitas ou Pedro Gonzaga. É também a mesma supremacia branca que leva os Darren Wilsons do mundo a assassinar George Floyd, Brianna Taylor, Trayvon Martin, Michael Brown e muitos outros. Mas #BlackLivesMatter e #VidasNegrasImportam significam que, como negros, continuaremos a lutar contra a supremacia branca, com ou sem aliados, até que todos pertençamos aos mesmos espaços.
A campanha “13 de Maio: Comemorar o quê?” é uma iniciativa de colaboração entre US Network for Democracy in Brazil, Geledés Instituto da Mulher Negra e Afro-Brazilian Alliance (ABA) e tem como objetivo reafirmar a data da abolição da escravatura no Brasil como Dia Nacional de Luta contra o Racismo, como demarcado pelo movimento negro, já que a Lei Áurea não garantiu o pleno acesso aos direitos e à igualdade para a população negra – a qual vem enfrentando profundas desigualdades desde então.