É fácil dizer que o Brasil é uma democracia racial e que na Alemanha não existe racismo, se você, como indivíduo, não sofre discriminação. Uma discussão com uma amiga minha, negra brasileira, me faz lembrar disso.
Do DW
“Você não sabe o que é racismo!” Um dia, uma amiga minha no Brasil me desautorizou a discutir sobre o assunto. Ela é negra, eu sou branca.
Será que ela tem razão? Afinal, é fácil dizer que o Brasil é uma democracia racial e que na Alemanha não existe racismo, se você como indivíduo não sofre discriminação. Era o meu caso – sempre fui tratada muito bem no Brasil.
Eu me lembrei dessa frase agora, pois a Alemanha inteira discute sobre racismo. O estopim do debate foi a aposentadoria do jogador Mesut Özil da seleção alemã. A frase dele – “quando ganhamos, sou alemão, quando perdemos, sou imigrante” – mexeu com o país inteiro.
O Brasil também se depara com mais um debate sobre racismo. Ele foi desencadeado por uma campanha da redeBoticário para o dia dos pais. O comercial da empresa enfatiza a presença do pai na educação dos filhos e foi lançado em 26 de julho. Nesta quarta-feira (01/08), tinha mais de 113 mil “curtidas”, mas outros 17 mil polegares para baixo. O elenco que representa a família na propaganda é composto por negros.
Eu senti o veneno de racismo chegando bem pertinho de mim quando um dia, numa festa de aniversário de uma amiga minha no Brasil, a minha sogra foi tratada como babá. Eu tentei desconversar, mas ficou um gosto amargo. Se ela fosse branca teria recebido o mesmo tratamento? E por que as patroas gostam tanto de reclamar de babás, mesmo sabendo que sem elas não seriam capazes de conciliar a vida familiar com a jornada de trabalho?
Na Alemanha também senti a dor da rejeição, pois o vizinho durante 20 anos se recusava a cumprimentar a minha família – com exceção de mim. Pior ainda foi o relato do meu marido quando um dia ele recebeu cusparadas de um grupo de jovens alemães numa estação de trem em Berlim.
Essas experiências me deixaram vislumbrar o que a minha amiga brasileira quis dizer quando ela desabafou: “Você não sabe o que é racismo!” A minha conclusão é que o combate ao racismo cabe a todos. Pois mesmo que, até hoje, você tenha sido poupado de discriminação, o racismo existe e continua a maltratar milhões de cidadãos no mundo. Além do mais: quem garante que você não será a vítima amanhã?
É parecido com a luta pelos direitos da mulher. A discriminação não é somente um problema individual de cada mulher, mas é um problema da sociedade inteira. Enquanto é tratado como assunto exclusivamente feminino, a emancipação não progride.
Infelizmente, as grandes conquistas na luta pela emancipação da mulher e contra o racismo estão sendo questionadas por movimentos políticos de ultradireita – nos dois lados do Atlântico. A disseminação de preconceitos e ódio por populistas contribui para fazer de “piadas racistas” e insultos pessoais algo socialmente aceitável.
Não sei dizer se o racismo é pior na Alemanha ou no Brasil. Ou se a “democracia racial” é mais evoluída no Brasil do que na Alemanha. Mas o desejo de alcançar este ideal persiste e não faltam exemplos positivos que mostram que isso seria perfeitamente possível. Pois, no fundo, todo mundo “sabe o que é racismo”: é crime.